“E alguns dos fariseus lhes disseram: Por que fazeis o que não é lícito fazer nos sábados? E Jesus, respondendo-lhes, disse: Nunca lestes o que fez Davi quando teve fome, ele e os que com ele estavam? (Lucas 6:2–4).
A tradição judaica e seus rabinos realizaram, ao longo dos séculos, profundas reflexões e valorizações sobre o sábado (shabat ou shabbat, em hebraico), isto é, o dia de descanso e de reflexão espiritual na vida judaica há milênios. Para alguns intérpretes da Lei, contudo, o sábado não se refere apenas a um dia, mas a quem somos; não é sobre o que se faz ou se deixa de fazer, mas sobre um tempo celebrado com a própria vida.
A tradição cristã, que inicialmente compartilhava dos mesmos costumes judaicos, preservava também o domingo para reuniões nas casas. No shabat, todos os judeus dedicavam tempo nas sinagogas para leitura e meditação da Torá. Quando os judeus se convertiam e passavam a crer na ressurreição de Jesus e no fato de que Ele era o messias, os espaços das sinagogas se tornavam hostis e politicamente instáveis. Por isso, os judeus cristãos passaram a dedicar ainda mais tempo ao ensino a respeito do que Jesus havia falado e interpretado em relação às leis de Deus.
Na interpretação de Jesus, o sábado significa o dia em que o homem é chamado a abandonar todas as conquistas da ação, a deixar de lado o trabalho e a ignorar o mundo dos artefatos. Esse dia, em que o homem deve voltar-se para uma existência que não é determinada por coisas e se dedicar à santidade no tempo, não apenas busca objetivamente trazê-lo aos primórdios da criação, mas a uma reflexão sobre sua finitude, sua dependência diante da grandeza de Deus e da eternidade. É o exato momento em que se busca intensificar as reações perante o mundo e se desconectar de toda e qualquer preocupação para se religar ou se reconectar com o divino.
Na sociedade contemporânea, a aceleração do tempo é evidente, uma vez que as tecnologias e a busca incessante por conhecimento e produtividade nos deixam muitas vezes sobrecarregados e, assim, perdemos a conexão com o ritmo natural da vida, ou seja, deixamos de nos conectar com a criação. Por isso, seja no sábado para algumas religiões ou no domingo para outras, para nós cristãos é realmente crucial lembrar que o tempo é um presente divino e que devemos usá-lo sabiamente, pois Jesus é o Senhor do tempo. E, nesta proposta de pensarmos a respeito do tempo, a própria afirmativa bíblica nos confirma que “o Filho do Homem é Senhor até do sábado” (Lc 6:5).
A passagem de Lucas 6, de 1 a 5, não apenas nos revela a autoridade de Jesus ao desafiar as normas de Seu tempo para priorizar o bem-estar das pessoas; por meio desse texto também podemos e devemos refletir sobre como sermos capazes de resistir à pressão da sociedade de nosso tempo com imposições construídas e enraizadas em discursos e falas meritocráticas e conceituais a respeito de determinar o valor das pessoas pelo que elas produzem ou até mesmo pelo tempo que dedicam à busca de respostas comerciais, industriais e até mesmo educacionais.
O texto bíblico não nos mostra Jesus rompendo com o entendimento do shabat; pelo contrário, a interpretação de Jesus vai além. Ele até trouxe aos Seus inquisidores o exemplo do rei Davi em relação aos pães da proposição, ou pães da Presença, que ele e outros comeram diante da necessidade e da fome (como se pode verificar em 1 Samuel 21). Naquele contexto, Jesus ressignificou mais uma vez o acesso à mesa, ou seja, à comida e ao próprio sagrado, pois o que seria mais divino e sagrado que atender ao necessitado?
Outras passagens bíblicas vão nos falar sobre o tempo para o plantio e para o cultivo da terra, para a liberdade dos escravos e até mesmo para a recuperação das propriedades. O tempo se mostra essencial nas relações bíblicas, e exercitar o pensamento sobre a pausa, o descanso e o tempo para a própria reflexão, bem como para o serviço ao próximo e para a reconexão com o sagrado, é indispensável para nossa saúde física, emocional, mental e espiritual.
O desafio para nossos dias é buscar o equilíbrio entre a velocidade frenética da vida moderna e a importância de honrar o tempo que nos foi dado por Deus. Neste aspecto, Jesus nos ensina que o tempo de descanso não deve ser um fardo, mas um dom para ser apreciado. Você deve conhecer alguém que não para por nada, que está sempre em movimento, que é ativo na igreja, no trabalho, na sociedade e em muitos outros lugares e funções, chegando até mesmo a evitar os períodos de férias para descansar e a buscar ser produtivo o tempo todo. Pois, na mesma intensidade com que buscamos nos engajar em diversas atividades para nos ocuparmos e para produzir, devemos buscar maneiras de abrandar o ritmo e reconectar-nos com a criação e com o próprio significado do tempo, a fim de encontrarmos momentos de paz e contemplação em meio à agitação do nosso mundo.
Jesus é o Senhor do sábado, isto é, do descanso, da provisão e do serviço, e nos ensinou naquela passagem valiosas lições sobre o tempo, pois, se havia espigas, é porque já estavam prontas para colher. Se a necessidade do outro é latente, deixemos o nosso “tempo sagrado” para abençoá-lo e alimentá-lo. Se a sociedade nos impõe determinado comportamento, reflitamos através do tempo sobre onde estamos e para onde vamos nessa proposta de permanecer sempre relevantes nos dias de hoje. No Evangelho de Lucas, vemos como Jesus desafiou determinados entendimentos sobre as normas de Seu tempo para curar no sábado, enfatizando que o sábado foi feito para o homem, e não o contrário. E, portanto, somos convidados a refletir a respeito de como temos administrado nosso tempo pessoal, familiar e comunitário. E, se o próprio shabat não era suficiente para contemplar o Senhor do sábado, nós ampliamos esse tempo para o domingo, a exemplo dos primeiros cristãos, a fim de nos sentarmos à mesa e falarmos desse Jesus que entregou Sua vida por nós. Mas que o domingo não seja na nossa vida apenas um dia para ir à igreja, e sim um tempo de qualidade com Deus.
Nosso desafio é o tempo para refletir como administramos nosso tempo, e se temos nos dedicado apenas aos afazeres cotidianos da igreja e a atividades muitas vezes sem qualquer propósito evangelístico ou de comunhão, sem perceber aqueles que estão à nossa volta, necessitados, desamparados, famintos e desanimados, doentes ou até mesmo sem qualquer tipo de esperança.
O Senhor do sábado nos convida a celebrar intensamente o tempo. E, quando você ler Eclesiastes 3, que nos fala sobre o tempo, reflita sobre o texto até o último versículo, pois ele nos revela: “Vi, portanto, que a melhor coisa a fazer é alegrar-se com seu trabalho. É isso que nos cabe na vida. Ninguém nos trará de volta para ver o que acontece depois que morrermos” (Ec 3:23). É tempo de refletir sobre o tempo.
Que Deus nos abençoe e nos fortaleça para Sua missão!
Seminarista Paulo Roberto L. Almeida Junior