“Que ninguém engane, todavia, sua própria alma. Deve-se notar cuidadosamente que a fé que não traz arrependimento, amor e todas as boas obras não é aquela fé certa e viva, mas uma fé morta e diabólica. Porque mesmo os demônios creem que Cristo nasceu de uma virgem, que operou várias espécies de milagre, declarando-se verdadeiro Deus; que, para nosso bem, sofreu a morte mais penosa, redimindo-nos da morte eterna; que ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus e está assentado à mão direita do Pai, vindo no fim do mundo para julgar os vivos e os mortos. Estes artigos de nossa fé os demônios os recebem e creem em tudo quanto está escrito no Velho e no Novo Testamento. E, com toda essa fé, eles não deixam de ser demônios. Permanecem ainda em sua condição de perdidos, faltando-lhes justamente a verdadeira fé cristã.”John Wesley, em seu Sermão nº 2: Os Quase Cristãos, proferido em 1741, na Universidade de Oxford, no Reino Unido
De acordo com alguns dos principais dicionários brasileiros da língua portuguesa:
Fé s.f. 1. no catolicismo, a primeira das três virtudes teologais; 2. confiança absoluta (em alguém ou em algo); crédito (um homem digno de fé); 3. asseveração, afirmação, comprovação de algum fato […]. Dar por fé. 1. afirmar como verdade. Dar fé de. testificar, dar por fé. Fazer fé. 1. ser digno de crédito; 2. prestar testemunho autêntico. Levar fé (uso informal). acreditar em (alguém ou algo).
“Meu justo viverá pela fé; mas, se voltar atrás, não me alegrará” (Hb 10:38). Nós não perecemos por voltar atrás, mas salvaremos a vida pela fé. Fé é a consistência do que se espera, e a prova do que não se vê (cf. Hb 11).
Ainda conforme os mesmos dicionários:
Crer v. t.i. 1. tomar por verdadeiro; acreditar; 2. ter confiança; 3. presumir(-se), imaginar(-se), julgar(-se). Crença s.f. 1. fato de acreditar-se numa coisa ou uma pessoa; 2. a coisa ou a pessoa em que se acredita; 3. religião; 4. convicção profunda.
Inicialmente, muitos descrevem a fé como simples dado ou argumento teológico. Contudo, para o psicólogo clínico e professor Josias Pereira, a fé também é um fenômeno psicológico: “Independentemente de qualquer conceito teológico, psicológico ou filosófico, as pessoas creem e manifestam a fé das mais variadas formas. Muitas influenciadas pelo meio, especialmente seu próprio meio ambiente, a demonstram de forma estereotipada, e o fazem em função do aprendizado e das imposições dos grupos aos quais pertencem. Isso tende a levar os menos informados a admitir que existe uniformidade na fé de certos grupos, religiosos ou não. Entretanto, observações mais cuidadosas, nas quais os aspectos individuais e pessoais são considerados, mostram-nos outra realidade: a fé é um fenômeno estritamente individual; é a fé exclusiva daquela determinada pessoa. Cada pessoa crê segundo a sua fé”.
É, portanto, um fenômeno psicológico. Cada pessoa é o que é e crê segundo sua maneira de ser. O que é, certamente, confirmado pelo notório saber científico de que não há no universo sequer duas pessoas idênticas, e que tal diferença é real e efetiva em todos os aspectos da existência humana. Portanto, a visão holística e existencialista indica que ninguém pensa ou age da mesma forma. Todos os seres humanos são iguais enquanto seres essenciais, mas muito diferentes entre si, enquanto indivíduos. Como a fé é a manifestação do sentimento daquele que crê, ela é a manifestação do sentimento daquela pessoa exatamente como ela é: é a sua fé.
Do mesmo verbo “crer”, originam-se dois substantivos que representam ações totalmente opostas: crença e fé. Porém, quando quero usar uma forma verbal para expressar a minha fé, tenho de usar “crer”, a não ser que escolha uma fórmula ainda menos adequada: “ter fé”.
A crença provê respostas a nossas perguntas; a fé nunca o faz. Quando cremos, é para encontrar segurança, solução, uma resposta para os nossos questionamentos. As pessoas creem para desenvolver para si mesmas um sistema de crenças. A fé (a fé bíblica) é completamente diferente. O propósito da revelação é fazer com que ouçamos as perguntas, e não para nos suprirmos com explicações. Sendo, portanto, a fé um fenômeno psicológico e pertencendo à categoria de valores sentimentais, para sua efetivação, carece de reflexões racionais. Sem fé o homem se torna irracional e sem razão ele não pode ter fé. Pois fé sem razão não passa de crendice.
A distinção mais útil que encontrei nesta caminhada foi a que estabeleceu o teólogo e filósofo francês Jacques Ellul entre fé e crença: crença é aquilo que professamos acreditar; é conteúdo doutrinário peculiar à nossa facção religiosa, expresso com palavras muito bem escolhidas em nossas declarações de fé. Não há, por outro lado, um conjunto de palavras suficiente para definir adequadamente a fé. Nossas crenças são passíveis de exposição, mas nossa fé é uma questão pessoal – seu conteúdo é um mistério tremendo, a tensão superficial entre o eu e o universo, entre o eu e o desconhecido, entre o eu e o futuro, entre o eu e a morte, entre o eu e o outro e entre o eu e Deus, pois a própria “crença pode ser um obstáculo à fé, porque só satisfaz nossa necessidade de religião”.
Nossa fé deve ir além do acreditar e focar-se no transcender. A fé nos deixa a sós com um Deus insondável; ela nos convida a um grau de liberdade que podemos não querer experimentar. A fé quer tirar-nos da zona de conforto da crença e levar-nos para as regiões mais profundas do nosso ser, aonde os outros não querem ir. A fé pressupõe a dúvida, enquanto a crença exclui a dúvida. A crença explica sensatamente aquilo em que posso acreditar e a fé exige que eu prove.
Pastor Israel A. Rocha