“E elogiou o Senhor o administrador infiel, porque se houvera atiladamente, porque os filhos do mundo são mais hábeis na sua própria geração do que os filhos da luz” (Lucas 16:8).
É com pesar que leio este versículo da comunidade de Lucas e escrevo estas palavras, pois desde o meu nascimento frequento a Igreja de Cristo, juntamente com minha família. Sou pastor por vocação e metodista por convicção.
Quando olho, reparo que anos se passaram e a cada dia me convenço de como a Igreja de Cristo precisa ser relevante, de que precisa passar por uma transformação e, por que não dizer, uma conversão de caminho (metanoia). Pois, ao analisar essa breve perícope que narra a parábola do administrador, dois sentimentos contraditórios me tomam por completo: felicidade e tristeza. Fico feliz porque os ensinamentos de Cristo estão muito à frente de Sua época, ou seja, não envelheceram, não ficaram nem ficarão ultrapassados, e a Sua misericórdia se renova a cada dia; o que me deixa triste é que Jesus tem razão: “Os filhos do mundo são mais hábeis do que os filhos da luz”. Em outras palavras, são mais espertos e mais sábios – literalmente melhores.
No original em grego, o versículo acima citado apresenta a palavra frónimos/fronimostenói, que quer dizer sábio, astuto, prudente, sagaz, inteligente. O que Cristo declara é que precisamos aprender a ser tabernáculo (lugar de culto, de adoração) vivo. Em minha adolescência, encontrei na igreja amigos e amigas muito bem-intencionados, muitos deles imensamente queridos, assustadoramente carentes e, muitas vezes, oprimidos. Cantávamos juntos, chorávamos e nos abraçávamos debaixo do mesmo teto piedoso, mas muitas vezes ali não estava o espírito de Jesus. Lembro-me de que Deus teve misericórdia de mim por alguns anos da minha vida. Nesse período, conheci pecadores diferentes de nós, que não se entregavam, como nós da igreja, a pecados mesquinhos, como a hipocrisia, a mentira e o orgulho. Eles abriam mão desse amadorismo e mergulhavam na coisa em si, ou seja, na sem-vergonhice mais vital, sensorial e carnal, o que muitos chamam de “sexo, drogas e rock’n’roll”.
Compartilhei o mesmo recinto com pecadores de verdade, gente indecorosa, sensual e autoindulgente: drogados, homossexuais, bêbados, libertinos, prostitutas; safados, depravados, corruptos e lascivos. Habituei-me ao perfume da maconha, visitei os mais variados mocós, vi carreiras de cocaína se armarem e desaparecerem. Já observei altos e baixos, presenciei tudo e mais um pouco nesta vida. Fora uma cervejinha e otras cositas, eu me mantive sóbrio e casto durante aquele período da minha vida (as orações de minha mãe me ajudaram muito!).
O livro de Atos (provavelmente escrito por Lucas) e as cartas do apóstolo Paulo falam de “cristãos que tinham tudo em comum” e eram de um só coração. Jesus falava de amar os inimigos, dar a outra face, emprestar sem esperar de volta, oferecer um banquete a quem não tem como retribuir. Paulo descreve um mundo sem preconceito de raça, de gênero ou de classe social. João, o discípulo amado, descreve com clareza que “Deus é amor” e que esse amor lança fora todo o medo ou traço de temor.
Esse mundo que a Bíblia descreve poucos cristãos chegam a experimentar. Escolhemos definir as coisas não pelas qualidades acima citadas, mas pelo que muitos chamam de frutos do Espírito, destacando sempre o que é negativo e paralisante contra os outros e contra nós mesmos: a culpa, a mesquinhez, a repressão, a neurose, a negação e o niilismo. O mundo em que todos se aceitam e se amam, embora faça parte da nossa pregação nominal, nos é aterrorizante por natureza. “A gloriosa liberdade dos filhos de Deus” não nos interessa, porque vivemos num mundo de superficialidade.
Enquanto estive no mundo, percebi que as pessoas são livres da superficialidade das igrejas e da irrelevância burguesa das faculdades, um mundo que se define na prática, pela aceitação e pelo amor, e não por meio do discurso ou da demagogia. Você pode estar se perguntando: “No mundo isso? Duvido”. No entanto, veja alguns exemplos:
- É gente que vive tudo em comum – onde está Mamon (dinheiro) sua vitória?
- É gente que ignora rótulos de classe, sexo e conta bancária para se tratar como gente no sentido mais fundamental da expressão.
- É gente que se recusa a ser manipulada pelo desejo e pelo temor, e o faz entregando-se a um e mandando às favas o outro.
A comunhão que experimentam, eu descobri, não tem limites. Sua generosidade não espera recompensa que não no instante, e não tem paralelo. Os pecadores abrem suas portas uns aos outros a qualquer momento do dia ou da noite; repartem sua droga, seu dinheiro, sua casa, seu pão, sem nenhum trâmite ou transação, seja com um irmão inoportuno, seja com quem acaba de tropeçar. Emprestam generosamente, sem esperar receber algo de volta. Carregam quem precisa ser carregado, descolam um trampo (trabalho) para quem precisa, tiram a camisa para quem vomitou na própria roupa, emprestam a chave do carro para quem não tem onde fumar, providenciam o apartamento de alguém na praia para o que foi expulso de casa, repartem custos sem chiar ou cobrem o tanque de gasolina. Trabalham tanto para os outros como para si mesmos e acolhem com graça incondicional; são compassivos até para com os que não toleram, e muitos são longânimos com todos que em princípio rejeitariam. Convivem sem traumas na consciência e, o que é apavorante para nós, não querem ser melhores do que ninguém. Entre os pecadores, não transita apenas a legitimidade de quem se recusa a ter o que esconder, mas também um amor que lança fora todo medo.
Gente sensualista, mas raras vezes desonesta; autoindulgente, mas sempre generosa; pecadora, mas não proselitista. Matam-se, mas o que fazem pelos outros é só resgatar. Morrem, mas abraçados. Não é difícil entender por que Jesus curtia tanto a companhia dos pecadores e não escondia seu orgulho em associar-se a eles. Pois é neles que o espírito de Jesus sobrevive.
Não estou contra a igreja nem contra a instituição. Estou simplesmente avaliando o que Jesus quis dizer em relação aos filhos do mundo e comparar com as nossas atitudes como cristãos e cristãs. Estamos muitas vezes preocupados com que cargo vamos assumir na igreja, qual grupo de louvor toca neste domingo, qual é a linha teológica do pastor ou da pastora, se fulano ou beltrano tem unção ou não… Tanto orgulho, tanta hipocrisia, tanta mentira, tanta competição e, sem perceber, esquecemos o essencial. Os ímpios, os filhos do mundo, os das trevas estão nos ensinando o que é a unidade, o que é a comunhão, o que é doar-se, o que é ser um verdadeiro administrador do Reino de Deus.
Perdoem-me por dizer, mas, com lágrimas em meu coração, afirmo que a igreja reformada precisa reformar-se, atualizar-se, sair dos protocolos e rótulos e ir para a fé, sair da mesmice e ir para a novidade. Somos realmente um exército que está matando seus próprios soldados para que as pedras possam clamar.
Jesus Se sentava com pecadores; nós estamos fugindo deles. Jesus ensinava e aprendia com eles; nós nos preocupamos com a ornamentação da igreja. Cristo veio buscar aqueles que estão perdidos e nós continuamos lançando pérolas para quem não precisa. Jesus Cristo “tabernaculou” com os pecadores e por isso declarou que, mesmo sem saber, estes praticam o amor mútuo. Nós temos a salvação e temos a teoria, mas não exercemos a prática. Logo, o Senhor irá sempre elogiar o infiel.
Devemos, assim como Cristo, criar tabernáculos eternos e ser totalmente desprendidos em graça. “Pois o testemunho de Jesus é o espírito da profecia” (Ap 19:10b).
“Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus” (1 Pe 4:10).
Pastor Israel Alcântara da Rocha