Um dos aspectos mais significativos da fé judaica era fazer uma profunda distinção entre sagrado e profano, separando lugares, datas, territórios, objetos e utensílios para dedicá-los a Iaveh. Sagrados eram os utensílios usados no templo, e santo era o lugar onde Deus se mostrava. Até hoje a Palestina é chamada de “Terra Santa”, e muitos buscam pisar lá, batizar-se lá, e quando isso não é possível, trazem pedra, terra, água e o óleo de lá.
No AT utilizava-se a unção com óleo para separar para o Senhor o sacerdote, o rei e os utensílios do templo. O Tabernáculo, e depois o Templo eram divididos em zonas de exclusão, onde somente os separados podiam entrar. O Pentateuco proibia até mesmo pessoas possuidoras de algum defeito físico – tais como anão, caolho, manco — adentrar naqueles lugares, pois essas pessoas eram consideradas impuras. Igualmente impuros eram os estrangeiros, os mortos, os leprosos, os que tinham hemorragia e também todos que tocassem neles.
Quando Jesus vem Ele dá uma reviravolta no entendimento do que é sagrado. Ele se deixa tocar por uma mulher hemorrágica, toca em defuntos, pega em leprosos. Ao invés de ser contaminado, a sua presença santifica e descontamina.
Em Jesus, sagrado não é mais só o espaço físico do templo, nem só o altar, mas todo o lugar onde está presente um filho de Deus, e pode ser uma catedral, uma casa ou debaixo de um viaduto. Em Cristo já não há mais necessidade de se ungir utensílios do templo, nem instrumentos musicais, pois não é o “objeto” que precisa ser ungido, mas quem o usa. E todos os que possuem o Espírito Santo o são: “vós tendes a unção” diz o apóstolo amado (1Jo 2.20).
Na Nova Aliança não se unge nem quartos, nem apartamentos, nem carros, pois onde estiver um filho de Deus, tudo o que ele possui, já é abençoado. Fica difícil imaginar Jesus entrando na casa da sogra de Pedro, que estava enferma, e ungir o quarto dela, ou entrando na casa de Jairo orar contra o espírito de morte que havia na casa. Em ambos os casos Jesus se dirigiu à pessoa.
Por que não se unge mais objetos e lugares? É simples: na Nova Aliança não existe mais a divisão entre objetos sagrados e objetos não-sagrados. Infelizmente muitos ainda vivem na forma judaica, e para eles sagrado é o “domingo”, sagrado é o prédio da igreja, sagrado é o livro chamado bíblia… Os judeus choravam na Babilônia com saudades do templo, pois imaginavam que Deus só estava em Jerusalém, e diziam: “como haveríamos de entoar o canto do Senhor em terra estranha?” (Sl 137.4).
Para nós, todos os dias são santificados, os lugares mais comuns podem ser sagrados, e as coisas cotidianas da vida também. Não há mais dia, nem hora, nem lugar para cultuar a Deus.
Jesus veio à terra na forma humana, viveu como homem, realizava tarefas diárias como todo ser humano, amarrava as suas sandálias, relacionava-se com as pessoas, cultivava amizades, sentia sono, fome, entristecia-se, chorava e também ia às festas e se alegrava… enfim, viveu uma vida “no mundo” como todos nós. Porém, Jesus imprime um aspecto sagrado, santo, ao ordinário, ao comum, ao cotidiano. Esta sem dúvida é uma grande lição a todos nós, que esperamos o domingo para viver alguns momentos de louvor e de adoração na presença de Deus.
Não há aspecto cotidiano que Deus não possa consagrar. Alimentos? Recebidos com ações de graça nada é recusável, ou seja pela oração todos os alimentos são santificados (1Tm 4.4). Filhos? Paulo diz que pelo convívio com a mãe crente eles são santos (1Co 7.14). Lugar de culto? Não importa – onde houver dois ou três reunidos em nome de Cristo, até a abóbada celeste se transforma numa catedral. Terra santa? Não fica no Oriente Médio, mas exatamente aí onde pisa a planta dos teus pés. O Altar é sagrado? Sim, tanto quanto a sala de sua casa quando a família se reúne para almoçar. Instrumentos? Não há instrumentos profanos, seja atabaque, pandeiro, cuíca ou berimbau. Se são usados por filhos da luz – e não das trevas, é tão sagrado quanto o piano e o órgão.
Desligar o nosso cotidiano de Deus e não santificar a vida é torná-la profana. Pense nisto. Deus espera que todos os aspectos do seu viver possuam a aura do sagrado. Diga como Jacó: “Na verdade, o Senhor está neste lugar, e eu não sabia”. Sim, Deus está aí do seu lado enquanto lê este artigo.
Pr. Daniel Rocha