Há um dado da historicidade bíblica que nos chama muito a atenção: dos últimos escritos do Antigo Testamento até os primeiros relatos do Novo Testamento, passaram-se 400 anos. Algumas edições da Bíblia têm uma página em branco dividindo os blocos do Antigo e do Novo Testamento. É como se essa página correspondesse a 400 anos. Há um vácuo de tempo entre Malaquias e Mateus.
Dentro da teologia bíblica, esses anos são chamados de Período Intertestamentário, ou “400 anos de silêncio”, porque nessa fase não há nenhum escrito profético. Mas Deus teria ficado mesmo em silêncio durante 400 anos? Não sei quanto a você, mas muitas vezes é assim que me sinto: há momentos em que tenho a certeza de que Deus se calou.
Certamente, uma das marcas dessa pandemia que estamos enfrentando é o uso intenso, e em alguns casos excessivo, da tecnologia. Aplicativos, plataformas, programas e redes sociais são todos recursos tecnológicos que visam facilitar e agilizar a comunicação. Contudo, algumas vezes ficamos com a sensação de que perdemos o direito de nos calar, de simplesmente silenciar. Aliás, uma das ferramentas de um aplicativo de troca de mensagens é essa: “Silenciar o grupo”. Mas, quando alguém faz isso, é logo julgado como antipático. Vivemos uma espécie de ditadura do imediatismo. Se você recebeu uma mensagem e visualizou, tem que responder na hora.
Em tempos nos quais ninguém quer esperar por uma resposta, não há nada mais aflitivo do que o silêncio, quanto mais um silêncio de 400 anos! É claro que dizer que Deus ficou 400 anos em silêncio é uma clara força de expressão. É certo que Ele fala sem abrir Sua boca, pois comunica Seu amor e graça de maneira prática e concreta todos os dias. Apenas para citar uma de muitas ilustrações, “as misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos” (Lm 3:20); ou seja, todos os dias Deus nos “diz” que nos ama por meio da Sua misericórdia e, por isso, não somos aniquilados.
O Período Intertestamentário refere-se a um fato específico: Deus não falou diretamente com alguém ou por alguém durante aqueles anos. Sim, era um tempo de silêncio de “palavras”, como o próprio Deus advertiu ou aconselhou por meio do autor de Eclesiastes: “Há tempo […] de estar calado, e tempo de falar” (Ec 3:7). Sim, há muitos momentos em que o silêncio é algo extremamente saudável, necessário, terapêutico e pedagógico. O fato de Deus “ter-Se silenciado” não alterou quem Ele era e muito menos Suas promessas eternas. O silêncio de Deus prova nossa fé, estimula nossa confiança e exercita nossa perseverança.
Precisamos aprender com Deus que muitas vezes a melhor resposta é o silêncio. Precisamos aprender que ficar em silêncio aquieta nossa alma. Precisamos aprender que não somos obrigados a dar todas as respostas no exato momento em que as pessoas acham que devem recebê-las. E, o mais importante, precisamos confiar que, mesmo que Deus esteja em silêncio, Ele nunca está calado. “Aquietai-vos, e sabei que eu sou Deus” (Sl 40:10a).
Do amigo e pastor,
Tiago Valentin