A religião, desde sua origem, tem sido usada como uma ferramenta ideológica de reafirmação da ordem social e do status quo vigente. A classe sacerdotal, junto da nobreza e das forças armadas, é, por excelência, classe dominante e exerce seu poder sobre a comunidade dos fiéis. Na sociedade hebreia, não poderia ter sido diferente e, entre os aspectos da ordem social a serem reafirmados, o patriarcalismo e a sujeição da mulher à autoridade do homem são abordados nos textos religiosos.
Entre os argumentos que buscam justificar a superioridade do homem sobre a mulher está o fato de a mulher ser considerada religiosamente impura. Uma série de elementos fisiológicos, como o parto (Lv 12) e a menstruação (Lv 15:19–30), eram usados como justificativa para tal impureza. Além da impureza religiosa, o relacionamento conjugal entre homem e mulher negava a ela qualquer forma de direito. Os pais deliberavam sobre o casamento das filhas, a esposa era considerada propriedade no clã e, muitas vezes, o estupro era motivo suficiente para a consumação do casamento, bastando o pagamento de um dote, mesmo contra a vontade da mulher (Ex 22:16–17 e Dt 22:28–29).
Com Jesus, todavia, o status da mulher na comunidade mudou. Ele elevou a dignidade da mulher, dando-lhe voz, garantindo seus direitos e afirmando sua condição de sujeito de seu próprio destino. O ministério de Jesus confrontou as estruturas injustas da sociedade, e a posição da mulher nessa sociedade é um dos aspectos abordados por Ele.
No episódio da mulher que sofria de hemorragia e tocou Suas vestes, crendo no Seu poder (Mt 9:19–22), Jesus resgata o status da mulher como digna de participar da adoração a Deus, rejeitando a crença de que sua fisiologia a tornava indigna. No caso da samaritana junto ao poço de Jacó (Jo 4:1–18), o Mestre colocou a mulher em pé de igualdade com o homem. Poderíamos citar várias outras passagens nas quais diversas mulheres, entre elas Maria Madalena, assumem posição de importância e primazia na comunidade de fiéis.
Observamos assim que o ministério de Jesus teve grande relevância para a deslegitimação da violência cometida contra a mulher. Como atesta o episódio da mulher flagrada em adultério (Jo 8:1–11). Conforme a tradição religiosa da época, ela deveria ser apedrejada, muito embora o homem que havia sido seu parceiro escapasse, de acordo com a tradição interpretativa dos textos do Pentateuco. Jesus confronta seus acusadores reafirmando a igualdade entre homem e mulher ao equiparar o pecado dos acusadores ao ato atribuído à mulher. Sendo iguais, como poderiam eles deliberar sobre a vida e o pecado daquela mulher? Sendo a mulher sujeito de sua própria vida, como poderiam os homens decidir sobre ela como se fosse mercadoria ou posse? Jesus toma a mão da mulher que estava caída, em posição de sujeição, e a ajuda a colocar-se em pé, igualando‑a aos homens que a acusavam. O Mestre fala com ela e isenta‑a da culpa e da condenação da lei patriarcal.
As comunidades cristãs posteriores, infelizmente, muitas vezes preferiram retornar às tradições religiosas de dominação e sujeição anteriores a Jesus, negando à mulher o status de igualdade e justificando com isso a violência contra ela. Portanto, cabe a nós, cristãos, retomarmos o caminho de libertação trilhado por Jesus, reafirmando‑o em nossas comunidades e tomando medidas e ações concretas de valorização e proteção da mulher.
Ao denunciarmos a iniquidade da violência contra a mulher, ao abrirmos nossas portas para acolher as mulheres vítimas de violência e ao colocarmo-nos em posição de serviço, à disposição das mulheres vítimas de violência, fornecendo auxílio e orientação na sua busca por direitos, seguimos os passos de Jesus e optamos pela libertação trazida por Seu ministério, em vez de retomarmos as tradições patriarcais que tanto oprimiram e diminuíram o valor das mulheres como seres concebidos à imagem e semelhança do Criador.
Por Fabio Martelozzo Mendes