“Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz” (Filipenses 2 5–8).
Em geral, falar de renúncia não é algo que está na moda, porque a lógica do mundo e do tempo em que vivemos é a do consumo, do acúmulo e da pertença. Isso ocorre embora a pandemia tenha nos mostrado taxativamente que “ter coisas” é algo supérfluo, na medida em que muitas dessas coisas não puderam ser utilizadas ou, como é do gosto de alguns, não puderam ser ostentadas nesse período. Além disso, diante de tantas dores e perdas, as coisas se mostraram o que de fato são: muito menores do que as pessoas e suas vidas.
O discurso e a prática a que estamos habituados são os de que temos de ter, e ter o máximo possível, apenas para dizer e mostrar que temos! Essa mentalidade mundana e pecaminosa, por incrível que pareça, está muito presente também nas igrejas. As pessoas vão aos templos com uma única finalidade: receber, receber e receber. O serviço e a entrega são assuntos secundários ou inexistentes em muitos contextos evangélicos.
Contudo, não podemos maquiar ou adaptar nosso discurso com a finalidade de não chocar nem afastar possíveis consumidores de uma graça barata que nós não aceitamos e não queremos. Deus, ao assumir Sua forma humana em Cristo, sinalizou de maneira singular e profunda que a renúncia é um pressuposto para aqueles que querem comunhão com Ele. Jesus esvaziou-Se do poder e notoriedade divina que tinha para ser o que o Pai queria d’Ele: humano e servo.
Invariavelmente, quando falamos de renúncia, o que nos vem à mente é ter de abrir mão do conforto, das coisas ou pessoas que amamos, das posições que ocupamos. Talvez, pelas circunstâncias do cotidiano, tenhamos mesmo de rever o lugar, a prioridade de certas coisas e pessoas em nossa vida. A Palavra nos apresenta, inclusive, muitos exemplos de homens e mulheres que renunciaram a várias coisas para sinalizar e simbolizar sua dependência exclusiva de Deus. Podemos citar, por exemplo, Abraão e Ana, que tiveram que renunciar a seus filhos; Zaqueu, que renunciou a seus bens; e Saulo, que renunciou a seu nome e a seu status.
Mas a mais desafiadora de todas as renúncias talvez seja ao nosso eu. Abrir mão do nosso orgulho, vaidade, teimosia e presunção mexe com nossos valores, com nossa intimidade, com nossas verdades. Para muitos, renunciar a coisas específicas ainda pode ser suportável, mas, quando se trata de mudar a forma de ser e de pensar, a resistência é grande, pois as pessoas não querem ser confrontadas com suas debilidades e limitações. Não podemos nos esquecer de que, para sermos como Jesus, Deus precisa mudar nosso interior, tratar do nosso caráter
Renunciar ao nosso eu é reconhecer que já não somos nós que vivemos, mas que Cristo vive em nós (Gl 2:20). Por isso, precisamos matar nossa carne todos os dias, renunciando a coisas que podem ter se tornado ídolos em nossa vida ou, quem sabe, abdicando do nosso próprio eu, para que assim a imagem e a semelhança do Senhor sejam restauradas em nós.
Do amigo e pastor,
Tiago Valentin