Ter versus ser

Ten­de em vós o mes­mo sen­ti­men­to que hou­ve tam­bém em Cris­to Jesus, pois ele, sub­sis­tin­do em for­ma de Deus, não jul­gou como usur­pa­ção o ser igual a Deus; antes, a si mes­mo se esva­zi­ou, assu­min­do a for­ma de ser­vo, tor­nan­do-se em seme­lhan­ça de homens; e, reco­nhe­ci­do em figu­ra huma­na, a si mes­mo se humi­lhou, tor­nan­do-se obe­di­en­te até à mor­te e mor­te de cruz” (Fili­pen­ses 2 5–8).

A Vir­tu­de de Ser”, por Jean-Pier­re Weill

Em geral, falar de renún­cia não é algo que está na moda, por­que a lógi­ca do mun­do e do tem­po em que vive­mos é a do con­su­mo, do acú­mu­lo e da per­ten­ça. Isso ocor­re embo­ra a pan­de­mia tenha nos mos­tra­do taxa­ti­va­men­te que “ter coi­sas” é algo supér­fluo, na medi­da em que mui­tas des­sas coi­sas não pude­ram ser uti­li­za­das ou, como é do gos­to de alguns, não pude­ram ser osten­ta­das nes­se perío­do. Além dis­so, dian­te de tan­tas dores e per­das, as coi­sas se mos­tra­ram o que de fato são: mui­to meno­res do que as pes­so­as e suas vidas.

O dis­cur­so e a prá­ti­ca a que esta­mos habi­tu­a­dos são os de que temos de ter, e ter o máxi­mo pos­sí­vel, ape­nas para dizer e mos­trar que temos! Essa men­ta­li­da­de mun­da­na e peca­mi­no­sa, por incrí­vel que pare­ça, está mui­to pre­sen­te tam­bém nas igre­jas. As pes­so­as vão aos tem­plos com uma úni­ca fina­li­da­de: rece­ber, rece­ber e rece­ber. O ser­vi­ço e a entre­ga são assun­tos secun­dá­ri­os ou ine­xis­ten­tes em mui­tos con­tex­tos evangélicos.

Con­tu­do, não pode­mos maqui­ar ou adap­tar nos­so dis­cur­so com a fina­li­da­de de não cho­car nem afas­tar pos­sí­veis con­su­mi­do­res de uma gra­ça bara­ta que nós não acei­ta­mos e não que­re­mos. Deus, ao assu­mir Sua for­ma huma­na em Cris­to, sina­li­zou de manei­ra sin­gu­lar e pro­fun­da que a renún­cia é um pres­su­pos­to para aque­les que que­rem comu­nhão com Ele. Jesus esva­zi­ou-Se do poder e noto­ri­e­da­de divi­na que tinha para ser o que o Pai que­ria d’Ele: huma­no e servo.

Inva­ri­a­vel­men­te, quan­do fala­mos de renún­cia, o que nos vem à men­te é ter de abrir mão do con­for­to, das coi­sas ou pes­so­as que ama­mos, das posi­ções que ocu­pa­mos. Tal­vez, pelas cir­cuns­tân­ci­as do coti­di­a­no, tenha­mos mes­mo de rever o lugar, a pri­o­ri­da­de de cer­tas coi­sas e pes­so­as em nos­sa vida. A Pala­vra nos apre­sen­ta, inclu­si­ve, mui­tos exem­plos de homens e mulhe­res que renun­ci­a­ram a vári­as coi­sas para sina­li­zar e sim­bo­li­zar sua depen­dên­cia exclu­si­va de Deus. Pode­mos citar, por exem­plo, Abraão e Ana, que tive­ram que renun­ci­ar a seus filhos; Zaqueu, que renun­ci­ou a seus bens; e Sau­lo, que renun­ci­ou a seu nome e a seu status.

Mas a mais desa­fi­a­do­ra de todas as renún­ci­as tal­vez seja ao nos­so eu. Abrir mão do nos­so orgu­lho, vai­da­de, tei­mo­sia e pre­sun­ção mexe com nos­sos valo­res, com nos­sa inti­mi­da­de, com nos­sas ver­da­des. Para mui­tos, renun­ci­ar a coi­sas espe­cí­fi­cas ain­da pode ser supor­tá­vel, mas, quan­do se tra­ta de mudar a for­ma de ser e de pen­sar, a resis­tên­cia é gran­de, pois as pes­so­as não que­rem ser con­fron­ta­das com suas debi­li­da­des e limi­ta­ções. Não pode­mos nos esque­cer de que, para ser­mos como Jesus, Deus pre­ci­sa mudar nos­so inte­ri­or, tra­tar do nos­so caráter

Renun­ci­ar ao nos­so eu é reco­nhe­cer que já não somos nós que vive­mos, mas que Cris­to vive em nós (Gl 2:20). Por isso, pre­ci­sa­mos matar nos­sa car­ne todos os dias, renun­ci­an­do a coi­sas que podem ter se tor­na­do ído­los em nos­sa vida ou, quem sabe, abdi­can­do do nos­so pró­prio eu, para que assim a ima­gem e a seme­lhan­ça do Senhor sejam res­tau­ra­das em nós.

Do ami­go e pastor,

Pr Tiago Valentim

Tia­go Valentin

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