“Caim e Abel”,
por Wilhelm Rupprecht (1925)
Um dos episódios mais chocantes relatados na Bíblia é o assassinato de Abel pelas mãos de seu próprio irmão, Caim. O livro de Gênesis nos revela o seguinte: “Abel tornou-se pastor de ovelhas, e Caim, agricultor. Passado algum tempo, Caim trouxe do fruto da terra uma oferta ao Senhor. Abel, por sua vez, trouxe as partes gordas das primeiras crias do seu rebanho. O Senhor aceitou com agrado Abel e sua oferta, mas não aceitou Caim e sua oferta. Por isso Caim se enfureceu e o seu rosto se transtornou. O Senhor disse a Caim: ‘Por que você está furioso? Por que se transtornou o seu rosto? Se você fizer o bem, não será aceito? Mas, se não o fizer, saiba que o pecado o ameaça à porta; ele deseja conquistá-lo, mas você deve dominá-lo’. Disse, porém, Caim a seu irmão Abel: ‘Vamos para o campo’. Quando estavam lá, Caim atacou seu irmão Abel e o matou. Então o Senhor perguntou a Caim: ‘Onde está seu irmão Abel?’ Respondeu ele: ‘Não sei; sou eu o responsável por meu irmão?’” (Gn 4:2b‑9).
Deus se agradou da oferta de Abel, mas de Caim não, e, por inveja, um irmão tirou a vida do outro. É quase inacreditável esse desfecho. Como uma situação dessas pôde acabar em morte? Acontece que essa atitude extrema foi resultado de uma alma enferma. O problema não estava em Deus nem com Abel, mas dentro do coração de Caim. A origem do conflito é o fato de Deus não ter se alegrado com a oferta de Caim. Talvez você possa pensar: “Mas Caim ofertou aquilo que ele tinha, o ‘fruto da terra’”. Entretanto, a tradição semita de oferta a Deus estava ligada ao sacrifício, ou seja, uma vida deveria ser entregue em favor de outras; no caso, um animal seria sacrificado para que o ofertante “ganhasse” vida. Contudo, alguns estudiosos vão dizer que, mais do que a ausência de sacrifício na oferta de Caim, o desagrado de Deus se deu pela má intensão do coração de Caim.
Quando Deus questiona Caim sobre seu irmão, sua resposta é reveladora: “Sou eu responsável pelo meu irmão?”. Já existia no coração de Caim um sentimento de indiferença, quem sabe de raiva, ciúme ou inveja. Podemos até conjecturar que, se os irmãos tivessem um bom relacionamento, Caim humildemente poderia ter pedido a Abel uma ovelhinha para ofertá-la ao Senhor. Mas não. Com orgulho e arrogância, ele fez sua oferta a Deus com o coração mal-intencionado, raivoso e soberbo. Todo o problema residia no coração doente de Caim. E veja o que um coração adoecido é capaz de gerar – no caso dos irmãos, a morte.
Muitas vezes estamos tomando atitudes e tendo reações desproporcionais e destruidoras, e atribuímos a causa a pessoas ou a Deus para nos justificar e esconder a verdadeira causa do que fazemos. A inveja de Caim não tinha nada a ver com Abel e a oferta mal-intencionada não tinha nada a ver com Deus. Caim ficou furioso com o ocorrido, mas em nenhum momento procurou Abel para, quem sabe, como sugeri, pedir-lhe uma ovelha ou para simplesmente ter um bom relacionamento com o irmão. Caim tampouco abriu seu coração para Deus. O texto bíblico diz que seu rosto se transtornou, mas ele não colocou para fora sua fúria.
O que você tem guardado em seu coração? Seja o que for, coloque‑o para fora o quanto antes. Guardar mágoas, frustrações ou descontentamento irá feri-lo cada vez mais, e reter isso dentro de você pode se transformar numa verdadeira bomba-relógio, que pode até demorar para estourar, mas, quando isso acontecer, o seu alcance e os efeitos colaterais poderão ser devastadores.
Lembre-se: Deus nunca despreza um coração quebrantado e contrito.
Do amigo e pastor,
Tiago Valentin