“Então Jesus perguntou: ‘Qual destes três lhe parece ter sido o próximo do homem que caiu nas mãos dos ladrões?’. O intérprete da Lei respondeu: ‘O que usou de misericórdia para com ele’. Então Jesus lhe disse: ‘Vá e faça o mesmo’” (Lucas 10:36–37).
O versículo que abre esta pastoral é o trecho final do texto que conhecemos como a “Parábola do Bom Samaritano” narrada por Jesus e registrada no capítulo 10, versículos de 25 a 37, do Evangelho de Lucas. Toda essa narrativa de Jesus se desenvolve com base num questionamento trazido por um intérprete da lei judaica, que primeiramente pergunta o que fazer para herdar a vida eterna, querendo com isso testar Jesus e Seu conhecimento sobre a interpretação das Escrituras.
A narrativa de Lucas mostra que Jesus não respondeu diretamente ao questionamento, mas o fez com outra pergunta àquele intérprete da Lei sobre o que estava escrito na Lei e como ele mesmo a entendia. Pela resposta do homem sobre amar o Senhor, seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma, com todas as suas forças e todo o seu entendimento, e amar o seu próximo como a si mesmo, Jesus afirmou que a resposta estava correta e que o homem deveria cumprir o que estava escrito. No entanto, ainda na sua intenção de testar Jesus, o homem perguntou: “Quem é o meu próximo?”.
Jesus iniciou então uma parábola, uma história para ilustrar e trazer compreensão prática da interpretação da lei de Deus para as pessoas que estavam ouvindo aquele debate. Jesus, porém, não utilizou um personagem qualquer em Sua história; Ele fez uso de personagens de importância e relevância para aquelas pessoas e para o contexto em que viviam.
Contudo, é necessário observarmos que, ao utilizar a figura de um sacerdote, de um levita e de um samaritano em vez de três homens comuns passando pelo local, como, por exemplo, um mercador, um pescador e um pastor de ovelhas, ou um romano, um publicano e um comerciante, Jesus não pretendia apenas responder à pergunta “Quem é o meu próximo?”. Sua intenção primária era demonstrar que, em vez de indagarmos quem seria o nosso próximo, deveríamos nos preocupar em como nos tornarmos o próximo do outro. E por isso Jesus, após concluir Sua parábola, perguntou àquele homem: “Qual destes três lhe parece ter sido o próximo do homem que caiu nas mãos dos ladrões?”.
Ademais, a escolha dos personagens por Jesus também impôs uma crítica à religiosidade vivida em Seu tempo e criou uma inversão de valores ao promover o samaritano em Sua parábola, pois os judeus tinham grande animosidade para com os samaritanos. E a crítica de Jesus está justamente na postura do sacerdote e do levita, figuras diretamente ligadas ao templo judaico e ao serviço a Deus. Ou seja, figuras relevantes e importantes que buscavam interpretar a Lei e viver rigorosamente de acordo com essa interpretação.
Ao deixar de responder diretamente ao intérprete da Lei e perguntar novamente a sua compreensão sobre a história, Jesus fez com que aquele homem, que buscava criar uma armadilha para Ele, respondesse de forma audível, coerente e pública que o sacerdote e o levita deixaram de cumprir os mandamentos de Deus ao não acudirem aquele homem gravemente ferido, reconhecendo, indiretamente, que nenhum dos dois poderia herdar a vida eterna. Por outro lado, o samaritano, odiado pelos judeus e considerado impuro, usou de misericórdia, tornando-se o próximo do homem ferido e devendo por isso herdar a vida eterna. Como se isso não bastasse, Jesus convidou aquele intérprete da Lei a seguir o exemplo não do sacerdote nem do levita, mas do seu adversário, o samaritano.
Nessa parábola, Jesus nos ensina que nossas práticas de fé e religião, assim como nossa interpretação sobre as Escrituras, podem estar corrompidas pelo nosso orgulho, pela nossa insensibilidade, e mascaradas por uma religiosidade aparentemente pura e legítima, mas sem qualquer amor ou relevância para o reino de Deus. Quando olhamos os outros de cima da nossa aparente santidade e os julgamos como pecadores indignos de nosso abraço, cuidado e amor, estamos agindo como aquele sacerdote. Quando nos ocupamos em servir a Deus apenas para criar em nós a sensação de dever cumprido ou para mostrar aos outros o que estamos fazendo, nós nos prendemos a um serviço fútil e inútil para o reino de Deus, assim como o levita da parábola, que também ignorou o sofrimento do homem.
O fato é que Jesus nos convida a romper as barreiras da nossa compreensão, do nosso ego e de nossas máscaras religiosas. Ele nos convida a agir com misericórdia, amor, compaixão, e, principalmente, a não perguntar onde está o nosso próximo, mas a responder ativamente, procurando nos tornar o próximo de todas as pessoas que precisam de ajuda, oferecendo a elas tudo o que temos, em todos os ambientes e lugares possíveis e das formas mais variadas que pudermos, a fim de exercermos, em cada uma dessas oportunidades, a busca por nossa santidade integral, pessoal e social, como Seus discípulos e discípulas em nosso tempo.
Deus nos abençoe e nos fortaleça para Sua missão!
Seminarista Paulo Roberto L. Almeida Junior