“Não julgueis, para que não sejais julgados” (Mt. 7.1).
Talvez este seja um dos grandes desafios a ser superado por nós cristãos: não julgar. Num julgamento formal, temos uma série de elementos que compõem o cenário da audiência: o juiz, as leis, o advogado, o promotor, as testemunhas, o réu e, é claro, a sentença. Quando fazemos um “julgamento” ou juízo de valor de alguém, tendemos a assumir o papel de todos esses elementos. Nós nos tornamos juízes com nossas próprias leis, acusamos e também testemunhamos contra um indivíduo que quase sempre nem sabe que está sentado no banco dos réus. E curiosamente, antes mesmo de o julgamento iniciar, já temos a sentença: culpado.
A Idade Média é marcada por uma instituição cristã, a chamada Santa Inquisição, que tinha a função de identificar, julgar e sentenciar todos(as) que fossem considerados(as) hereges. Durante seis séculos, os inquisidores, imbuídos de “autoridade espiritual” por parte da Igreja, tinham total autonomia para executar todos que representassem ou fossem um perigo real para a ordem religiosa vigente.
Curiosamente, o protestantismo, que sustenta a égide de se opor às práticas romanas, não abriu mão de continuar julgando informalmente todos quantos fossem considerados hereges, diferentemente da Igreja Católica Romana, que no século VXIII reviu o papel da Santa Inquisição e suspendeu seu poder de executar aqueles que representassem perigo.
No contexto bíblico, temos, inclusive, o livro de Juízes, que retrata a incapacidade e a limitação de homens e mulheres que foram escolhidos para julgar o povo. Após o período dos juízes, estabeleceu-se a monarquia, que também se mostrou ineficaz para conduzir o povo. Mas Deus, que é a justiça e o próprio juiz (Sl. 103.6), decidiu que a humanidade, por meio de Jesus Cristo, não viveria mais pela lei, e sim pela graça.
Jesus foi taxativo com seus seguidores, deixando muito claro que era contra qualquer tipo de julgamento fora de um tribunal. E sabemos que, mesmo dentro do contexto judicial, Ele próprio foi vítima de um julgamento profundamente injusto. Jesus tinha o entendimento de que os seres humanos eram incapazes de ser justos, imparciais e dignos em seus julgamentos e por isso nos alerta que, ao julgarmos alguém, ficamos suscetíveis a ser julgados na mesma medida.
O grande perigo do juízo de valor é que ele está baseado num ponto de vista pessoal. Ou seja, a partir da minha realidade pessoal, eu julgo o outro dizendo se ele está certo ou errado. Dentro da igreja, o perigo é ainda maior, porque, quando fazemos juízo de valor, argumentamos que não estamos julgando a pessoa com nossos próprios valores, mas à luz da palavra de Deus, assim como faziam os inquisidores católicos.
Mas o que fazer diante do erro e do pecado? Devemos nos calar e permitir que nossas igrejas se tornem permissivas e a palavra de Deus seja relativizada? Somos mesmo uma versão gospel da Santa Inquisição? As respostas a estas e outras perguntas estão na próxima edição. Aguarde!
Com carinho e estima pastoral,
Pr. Tiago Valentin