Reconhecendo os sinais

Então os dois con­ta­ram o que lhes tinha acon­te­ci­do no cami­nho e como tinham reco­nhe­ci­do o Senhor no par­tir do pão” (Lucas 24:35).

No par­tir do pão (“Ceia em Emaús”, por Matthi­as Sto­mer, c. 1635)

A nar­ra­ti­va dos via­jan­tes de Emaús, em Lucas 24:13–35, nos mos­tra pon­tos impor­tan­tes do com­por­ta­men­to dos dis­cí­pu­los após a mor­te e o sepul­ta­men­to de Jesus. Em pri­mei­ro lugar, o tex­to bíbli­co nos infor­ma que os dois dis­cí­pu­los esta­vam tris­tes e con­ver­sa­vam sobre tudo o que tinha acon­te­ci­do em Jeru­sa­lém. Embo­ra o pró­prio Jesus Se apro­xi­mas­se e con­ver­sas­se com eles duran­te todo o cami­nho, não O reco­nhe­ce­ram, ou melhor, não foram capa­zes de reco­nhe­cê-Lo.

Isso tam­bém reve­la par­te de nos­sa iden­ti­da­de huma­na. Quan­do esta­mos ver­da­dei­ra­men­te envol­vi­dos em deter­mi­na­dos dile­mas e situ­a­ções de nos­sas vidas, difi­cil­men­te os nos­sos pro­ble­mas nos per­mi­tem per­ce­ber qual­quer coi­sa ao nos­so redor. Esta­mos tão frus­tra­dos, tão indig­na­dos, tão irri­ta­dos e emo­ci­o­nal­men­te vin­cu­la­dos aos pro­ble­mas ou a situ­a­ções que fogem de nos­sas mãos, que nos­sos olhos são inca­pa­zes de dis­cer­nir quem está cami­nhan­do ao nos­so lado.

O segun­do com­por­ta­men­to dos dis­cí­pu­los que nos cha­ma a aten­ção é que eles cami­nha­vam no sen­ti­do opos­to ao de Jeru­sa­lém e fala­vam entre si a res­pei­to das frus­tra­ções de suas expec­ta­ti­vas sobre Jesus ser o Mes­si­as: “Nós espe­rá­va­mos que fos­se Ele quem havia de redi­mir Isra­el. Mas, depois de tudo isto, já esta­mos no ter­cei­ro dia des­de que essas coi­sas acon­te­ce­ram” (Lc 24:21). Os dis­cí­pu­los ain­da rela­ta­ram em sua fala que as mulhe­res havi­am ido ao túmu­lo e o encon­tra­ram vazio, e que outros tam­bém havi­am esta­do lá; fala­ram ain­da sobre a visão de anjos que afir­ma­ram que Jesus esta­ria vivo. No entan­to, por não tê-Lo vis­to, seus cora­ções sem espe­ran­ça cami­nha­ram rumo a Emaús.

Nós não somos tão dife­ren­tes. Tam­bém bus­ca­mos nos dis­tan­ci­ar dos nos­sos pro­ble­mas: afas­ta­mos pes­so­as do nos­so con­ví­vio, não comen­ta­mos sobre assun­tos que nos dei­xam des­con­for­tá­veis, reti­ra­mo-nos de cer­tos locais, aban­do­na­mos pro­je­tos, sonhos, e muda­mos nos­so com­por­ta­men­to. Isso por­que a frus­tra­ção, a decep­ção ou a sim­ples pos­si­bi­li­da­de de as coi­sas não saí­rem como espe­ra­mos pode gerar essa fuga de deter­mi­na­da realidade.

Quan­do, no par­tir do pão, Jesus foi reco­nhe­ci­do e ime­di­a­ta­men­te desa­pa­re­ceu, os dis­cí­pu­los pas­sa­ram a ana­li­sar todo o cami­nho per­cor­ri­do com Ele, per­ce­be­ram que o cora­ção ardia ao ouvir as Suas pala­vras e, quan­do ouvi­ram as Escri­tu­ras, algo den­tro deles real­men­te ficou dife­ren­te. Con­tu­do, a cer­te­za da mor­te e do sepul­ta­men­to de Jesus e o sumi­ço do Seu cor­po fize­ram a espe­ran­ça desa­pa­re­cer de den­tro deles, pois aqui­lo que eles mes­mos acha­vam que Jesus iria fazer não pode­ria se con­cre­ti­zar após a Sua mor­te. Ao con­trá­rio, porém, seria a par­tir da Sua mor­te e da Sua res­sur­rei­ção que o Seu rei­no iria se estabelecer.

O últi­mo com­por­ta­men­to dos dis­cí­pu­los obser­va­do por nós não é o seu espan­to ao dis­cer­nir que Jesus esta­va o tem­po todo com eles, mas o retor­no: “E, na mes­ma hora, levan­tan­do-se, vol­ta­ram (ὑποστρέφω) para Jeru­sa­lém, onde acha­ram reu­ni­dos os onze e outros com eles”. A pala­vra ὑποστρέφω (hypos­trépho) é mui­to uti­li­za­da por Lucas nas nar­ra­ti­vas que faz, como, por exem­plo, na pará­bo­la do filho pró­di­go, que vol­ta à casa do pai; na cura dos dez lepro­sos, em que somen­te o que era sama­ri­ta­no retor­na para agra­de­cer; e até mes­mo quan­do o cen­tu­rião vol­ta para sua casa e encon­tra o ser­vo cura­do. Pois esse ter­mo tem tam­bém o sen­ti­do de “sal­va­ção”, e não ape­nas de vol­tar para o local de onde se par­tiu, no estri­to sig­ni­fi­ca­do da pala­vra. Ou seja, esses dis­cí­pu­los retor­na­ram para Jeru­sa­lém em bus­ca daque­la sal­va­ção reve­la­da pelo pró­prio Jesus no par­tir do pão.

O que tem impe­di­do você de dis­cer­nir o melhor de Deus para sua vida? O que tem blo­que­a­do sua visão e impe­di­do você de expe­ri­men­tar a pre­sen­ça ple­na de Jesus ao seu lado? São seus pro­ble­mas? É a fal­ta de espe­ran­ça? O luto? As frus­tra­ções ou a rai­va? Que cami­nhos ou rotas de fuga você tem toma­do para se pro­te­ger ou esque­cer? Real­men­te são mui­tas as per­gun­tas a fazer e tal­vez não este­ja­mos pron­tos para com­pre­en­der tudo. Entre­tan­to, assim como aque­les dis­cí­pu­los sen­ti­ram o cora­ção arder den­tro deles ao ouvir as pala­vras de Jesus sobre as Escri­tu­ras, que nes­te dia, o seu e o meu cora­ção tam­bém pos­sam arder e con­tem­plar a gran­de­za do nos­so Deus, que, por meio do Seu Espí­ri­to San­to, nos ensi­na, nos ori­en­ta e nos reve­la pelo cami­nho não ape­nas as pala­vras de Jesus, mas toda a Sua pai­xão, mor­te e ressurreição.

Que hoje, ao orar­mos a Deus pela vida, pelo ali­men­to, por nos­sa famí­lia, pelos ami­gos e por nos­sas comu­ni­da­des de fé, pos­sa­mos dis­cer­nir que é na mesa, no par­tir do pão, na par­ti­lha, no amor e na comu­nhão que os sinais mais pode­ro­sos de Jesus se apre­sen­tam a nós, reve­lam-se e nos mos­tram o cami­nho para a salvação.

Não dei­xe­mos que as cir­cuns­tân­ci­as falem mais alto, mas bus­que­mos os sinais que nos façam lem­brar, dis­cer­nir e reco­nhe­cer Jesus em todas as áre­as da nos­sa vida, pois Ele quer Se reve­lar a nós.

Deus nos aben­çoe e nos for­ta­le­ça para Sua missão!

Semi­na­ris­ta Pau­lo Rober­to L. Almei­da Junior

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