Reconhecendo os tempos, épocas e ciclos

Não adi­an­ta! A vida é cícli­ca, e os tem­pos e fases se suce­dem impla­ca­vel­men­te. Alguns ciclos, como os astronô­mi­cos, podem ser pre­vis­tos com exa­ti­dão e por isso, sem falhar, ano após ano a natu­re­za con­ce­be os seus perío­dos, cal­ma e man­sa­men­te, pas­san­do da explo­são de cores e chei­ros da pri­ma­ve­ra ao aqui­e­tar-se dos cam­pos e flo­res­tas no inverno.

As fases da vida tam­bém têm o seu tem­po de come­çar e ter­mi­nar, e ao con­trá­rio do que pas­sa pelo ima­gi­ná­rio popu­lar, seu tér­mi­no nem sem­pre coin­ci­de com o últi­mo dia do ano e nem expe­ri­men­tam um reco­me­çar no ano novo.

Temos difi­cul­da­des em reco­nhe­cer os tem­pos, em dar por encer­ra­da uma fase para ini­ci­ar outro momen­to na vida. Sabe­do­ria é saber dis­cer­nir as épo­cas e pas­sar por elas sem deses­pe­rar da esperança.

Dar um perío­do por encer­ra­do é salu­tar e liber­ta a alma para ini­ci­ar algo novo. Não saber encer­rar é como o pin­tor que reto­ca inde­fi­ni­da­men­te uma obra ruim ima­gi­nan­do que pode melho­rá-la. É pre­ci­so fechar o ciclo, dar um bas­ta àqui­lo que está aber­to e inco­mo­dan­do… e des­pe­dir-se. Se Abraão ficas­se olhan­do nos­tal­gi­ca­men­te a cida­de natal que o Eter­no orde­na­ra dei­xar, nun­ca teria che­ga­do à ter­ra da pro­mes­sa. Não há mapas, não há cer­te­zas, só caminhos.

Por mais tris­te e dolo­ro­so que tenha sido um perío­do, é sem­pre reju­ve­nes­ce­dor enca­rar uma nova fase. Deus é o Aben­ço­a­dor dos que têm a cora­gem de dei­xar “Láza­ro” mor­rer. Não adi­an­ta man­tê-lo mori­bun­do liga­do por apa­re­lhos. Jesus não pro­lon­gou sua ago­nia, mas “atra­sou-se”, per­mi­tin­do que expi­ras­se. Só aqui­lo que mor­re pode ser ressuscitado.

Por natu­re­za temos medo de encer­rar as coi­sas – até mes­mo as ruins: um cur­so mal esco­lhi­do, um namo­ro arras­ta­do e con­fli­tu­o­so, um empre­go asfixiante…

Pare­ce que esta­mos aden­tran­do um tem­po de gran­de afli­ção. Não há mais cer­te­zas, tudo que era sóli­do está se des­man­chan­do no ar… e o homem sem Deus não tem mais onde se apoi­ar. Tudo está mal? Nem tudo – tem­pos de decep­ções pode ser uma rica opor­tu­ni­da­de de rever conceitos.

Deus pôs a eter­ni­da­de no cora­ção do homem (Ec 3.11), mas este pre­fe­riu se per­der no efê­me­ro e tran­si­tó­rio. Ao cris­tão é dada a capa­ci­da­de de dis­cer­nir entre o valor daqui­lo que é tem­po­ral e aqui­lo que é eter­no. Sofre­mos quan­do con­fun­di­mos as coisas.

Por toda a bíblia é fala­do do tem­po da angús­tia, tem­po da cala­mi­da­de, tem­po de afli­ção. A bíblia fala do cho­ro que pode durar uma noi­te… Quan­do o povo hebreu foi para o cati­vei­ro na Babilô­nia uma gran­de tris­te­za se aba­teu sobre ele, as har­pas foram pen­du­ra­das nos sal­guei­ros e seus lábi­os emu­de­ce­ram para as can­ções. Porém o pro­pó­si­to divi­no era para que este perío­do não fos­se infru­tí­fe­ro, depres­si­vo ou esté­ril para o seu povo, ao contrário:

Edi­fi­quem casas e habi­tem nelas, plan­tem poma­res e comam de seu fru­to, tomem espo­sas, gerem filhos, casem suas filhas… Logo que se cum­pri­rem para a Babilô­nia seten­ta anos, aten­ta­rei para vós…” (Jr 29.10).

Ora, Deus ouviu as pre­ces de seu povo, viu sua afli­ção, mas have­ria um ciclo a ser cum­pri­do, um pro­pó­si­to a ser rea­li­za­do naque­la ter­ra. Na ver­da­de, este é o dra­ma de todos nós. O sal­mis­ta não pou­cas vezes cla­ma: “Apres­sa-te Senhor”, ou “Até quan­do, Senhor?”. Entre­tan­to Deus fala de um “tem­po acei­tá­vel” para nos aten­der. Endos­so as pala­vras do poe­ta: há um tem­po que a dor é ine­vi­tá­vel, mas às vezes o nos­so sofri­men­to é opcional.

Há tem­po de falar, cla­mar e con­so­lar, e há tem­po de fazer silên­cio. Seria de gran­de pro­vei­to se os taga­re­las da fé, que voci­fe­ram incle­men­tes nas rádi­os e TVs fór­mu­las e solu­ções para tudo, se calas­sem como os ami­gos de Jó que sen­ta­ram soli­da­ri­a­men­te a seu lado e nada fala­ram por sete dias, res­pei­tan­do sua dor. Lem­bro-me, quan­do cri­an­ça, ao pas­sar um fune­ral, as por­tas bai­xa­vam, as pes­so­as inter­rom­pi­am suas ati­vi­da­des e sole­ne­men­te jun­ta­vam-se à dor dos que cho­ra­vam. O ver­da­dei­ro irmão não é aque­le que fes­te­ja ao nos­so lado, mas que com­pre­en­de nos­so momen­to e per­ma­ne­ce jun­to, tra­van­do um diá­lo­go silen­ci­o­so conosco.

Acho que com­pre­en­do Fer­nan­do Pes­soa quan­do ele diz que “o valor das coi­sas não está no tem­po que elas duram, mas na inten­si­da­de com que acon­te­cem. Por isso, exis­tem momen­tos ines­que­cí­veis, coi­sas inex­pli­cá­veis e pes­so­as incomparáveis”.

Pr. Daniel Rocha

Pr. Dani­el Rocha

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