Radiografia da dor

Há alguns dias depa­rei-me com uma pes­qui­sa que pre­ten­dia men­su­rar a inten­si­da­de da dor sen­ti­da pelas pes­so­as, atra­vés de um ques­ti­o­ná­rio que elas res­pon­di­am indi­can­do o grau de sofri­men­to que aque­le infor­tú­nio pro­vo­ca­va. Nes­sa “esca­la da dor”, foram clas­si­fi­ca­das as seguin­tes, como sen­do as mais difí­ceis de supor­tar: cóli­ca renal, cóli­ca bili­ar, lom­bal­gia agu­da, neu­ri­te her­pé­ti­ca, gota, enxa­que­ca seve­ra, dor do par­to e a dor do infarto.

Aven­tu­ro-me aqui clas­si­fi­car algu­mas dores que não se expe­ri­men­tam no cor­po, mas não obs­tan­te pene­tram pro­fun­da­men­te no ser:

1. A dor do vazio: é como um “bura­co negro” que suga toda ener­gia de vida. Quem sofre des­sa dor ten­ta sufo­car o tédio bus­can­do “novi­da­des”, mas por sua carac­te­rís­ti­ca, esse vazio não pode ser pre­en­chi­do pelos pra­ze­res, pelas aqui­si­ções mate­ri­ais, pelas com­pa­nhi­as ou por obri­ga­ções religiosas.

2. A dor da indi­fe­ren­ça: Vive­mos na épo­ca do ficar “des­li­ga­do”, não envol­ver-se e não rela­ci­o­nar-se, pois amar é sen­ti­do como algo peri­go­so que com­pro­me­te o ser. Por isso creio que o con­trá­rio do amor não é o ódio, mas sim a apa­tia (do gr. a‑pathos, que é indi­fe­ren­ça, insen­si­bi­li­da­de, apa­gão dos sen­ti­men­tos e ausên­cia de paixão).

3. A dor da humi­lha­ção: Pes­so­as um dia feri­das pela humi­lha­ção ten­dem a se defen­der o tem­po todo, pois mes­mo que a dor não este­ja mais cons­ci­en­te, elas ain­da con­ti­nu­am sen­tin­do uma ame­a­ça poten­ci­al em todas as situ­a­ções que envol­vam relacionamentos.

4. A dor da cul­pa por­que pecou ou falhou, cul­pa por não alcan­çar os alvos pro­pos­tos, por não ter sido melhor… A cul­pa é um machu­car-se a si pró­prio, uma seve­ri­da­de impe­tra­da para conos­co mes­mo. Por vezes o mun­do já esque­ceu, Deus já per­do­ou, mas o sen­ti­men­to con­ti­nua fir­me ali agin­do como um ladrão de alegria.

Quan­do há uma dor arden­do na alma, ela se tor­na o cen­tro do nos­so uni­ver­so e inva­de cada espa­ço vazio do pen­sa­men­to. As dores do cor­po podem ser cura­das com remé­di­os, tra­ta­men­tos, cirur­gi­as, ervas, ou acu­pun­tu­ra, mas a dor do ser quem a cura­rá? Per­ce­bo que Igre­ja é uma gran­de reu­nião de pes­so­as feri­das, sem­pre bus­can­do o “bál­sa­mo de Gile­a­de” (Jr 8.22). Mais cedo ou mais tar­de elas encon­tra­rão alí­vio, mas enquan­to ele não che­ga, elas têm boa chan­ce de nes­se pro­ces­so, agre­dir com pala­vras, mal­tra­tar e cri­ar ani­mo­si­da­des, como uma espé­cie de refle­xo da dor que sentem.

Enco­brir uma dor é mais peno­so que viven­ciá-la. Quan­to mais a nega­mos, e usa­mos de arti­fí­ci­os para escon­dê-la, o sofri­men­to é mai­or. Por outro lado, há quem exa­ge­re na dor. Somos facil­men­te ten­ta­dos a dar um colo­ri­do dra­má­ti­co demais aos nos­sos infor­tú­ni­os. Há pes­so­as vici­a­das na dor. É pre­ci­so saber des­pe­dir-se delas.

Jesus tinha espe­ci­al pre­di­le­ção pelos sofre­do­res. Ele pró­prio enten­de de dores, pois foi humi­lha­do, rejei­ta­do, des­pre­za­do. Se havia algo que o deti­nha pelo cami­nho era o cha­ma­do de dor de alguém. Ele não resis­tiu à dor da pobre viú­va de Naim que per­deu seu úni­co bem, o filho. Ele não resis­tiu ao cho­ro incon­ti­do da mulher estran­gei­ra que pedia deses­pe­ra­da por sua filhi­nha ende­mo­ni­nha­da. Ele não se abs­te­ve de lou­var a mulher peca­do­ra que regou em lágri­mas de dor os seus pés can­sa­dos. Ele não refu­gou entrar na casa de um pai afli­to cuja filhi­nha esta­va à bei­ra da morte.

Qual seria, então, a pior dor do mun­do? Creio que seja a dor dos que vivem sem trans­cen­dên­cia, pre­sos ao mate­ri­a­lis­mo, dan­do as cos­tas a um Cris­to sen­sí­vel e huma­no, e ape­sar de habi­ta­rem num mun­do frio e inós­pi­to, recu­sam Aque­le que veio dar sen­ti­do às suas vidas e às suas dores.

Pr. Daniel Rocha

Pr. Dani­el Rocha

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