No limite

Admi­ro quem tem uma vida tranqüi­la e sere­na, sem gran­des sobres­sal­tos e tudo mui­to bem orga­ni­za­do. Pare­ce que Deus agra­ci­ou algu­mas pes­so­as, cer­can­do-as de faci­li­da­des e levan­do-as a luga­res plá­ci­dos. Outros, como eu, estão sem­pre no limi­te. Limi­te das for­ças, do equi­lí­brio, da fé e da esperança.

Feliz­men­te estou em boa com­pa­nhia. Acre­di­to que há pes­so­as cuja cami­nha­da de fé nun­ca será nas pla­ní­ci­es, mas nas escar­pas mon­ta­nho­sas, onde o ar é rare­fei­to, a subi­da é can­sa­ti­va, e a fé é leva­da ao seu extremo.

Pau­lo, o após­to­lo, viveu sua vida no limi­te. No limi­te da fra­que­za; no limi­te da con­di­ção huma­na por con­ta das pri­sões, açoi­tes, nau­frá­gi­os, peri­gos, frio e nudez; no limi­te do des­pre­zo, sen­do con­si­de­ra­do como lixo e “escó­ria do mundo”.

O pro­fe­ta Jere­mi­as tam­bém expe­ren­ci­ou os pín­ca­ros da tris­te­za (depres­são?). Oséi­as viveu no limi­te da dig­ni­da­de de um pro­fe­ta quan­do Javé lhe pediu para casar com uma pros­ti­tu­ta e o pro­fe­ta Eze­qui­el no extre­mo do equi­lí­brio emo­ci­o­nal: a ele Deus até proi­biu de cho­rar a mor­te da espo­sa ama­da, “delí­cia de seus olhos” (Ez 24.16).

As gran­des obras de artis­tas, pin­to­res e com­po­si­to­res sem­pre foram obti­das “no limi­te”. Quem já teve o pra­zer de ver “A noi­te estre­la­da” de Van Gogh não con­se­gue ima­gi­nar que ao pin­tar um de seus mais belos qua­dros, com cipres­tes retor­ci­dos e estre­las em tur­bi­lhão, ele retra­ta­va ali um pou­co de sua lou­cu­ra. Han­del, já qua­se cego, compôs o “Ale­luia” depois de se tran­car no quar­to por 24 dias, sem sair e com pou­ca comi­da. Foi no limi­te de uma sur­dez que nas­ceu a 9ª Sin­fo­nia de Beetho­ven. As notas mais altas e belas do vio­li­no são tira­das de cor­das esti­ca­das “ao extremo”.

Quem vive no limi­te tem pou­cos momen­tos pra­ze­ro­sos para des­fru­tar. Mas quan­do tem é capaz de apro­vei­tá-los e ser infi­ni­ta­men­te agra­de­ci­do a Deus. Quem vive no limi­te qua­se nun­ca tem tem­po sobran­do, e jus­ta­men­te por isso é cha­ma­do por Deus para rea­li­zar outras obras. Ao Senhor sem­pre apre­ci­ou cha­mar os atarefados.

Com­pa­de­ço-me tre­men­da­men­te dos que estão no limi­te da sani­da­de, qua­se a atra­ves­sar um cami­nho mui­to difí­cil de vol­tar. Já per­de­ram os ami­gos, os amo­res dos que antes os ama­vam, per­de­ram a capa­ci­da­de de con­tro­lar os pen­sa­men­tos, e mer­gu­lha­ram num mun­do des­co­ne­xo e ater­ra­dor. Quem vive no limi­te pre­ci­sa deses­pe­ra­da­men­te de Deus todos os dias, para supor­tar a dor, para não cair, para não pecar e não dei­xar-se morrer.

Num meio evan­gé­li­co obce­ca­do por bên­çãos, essas pes­so­as ima­gi­nam que não pos­su­em tes­te­mu­nhos a com­par­ti­lhar. Na ver­da­de, se elas forem à fren­te da igre­ja darão o mai­or de todos os tes­te­mu­nhos: de como Deus os tem sus­ten­ta­do a cada dia.

Dedi­co esse tex­to a todos os que estão nos limi­tes de suas for­ças e da paci­ên­cia, e que se segu­ram num tênue fio de fé; dedi­co a todos que ama­ram e foram igno­ra­dos, nos que tra­ba­lham e não são reco­nhe­ci­dos, dos que vivem seu dra­mas mas não fazem deles uma tra­gé­dia, nem ficam cobran­do de Deus faci­li­da­des, nem livra­men­tos mila­gro­sos, mas tão somen­te que Ele lhe con­ce­da for­ças para aca­bar o dia e repou­sar o cor­po can­sa­do sobre a cama. A estes, o meu res­pei­to e o meu reco­nhe­ci­men­to de que estou dian­te de quem com­pre­en­deu o ver­da­dei­ro Evan­ge­lho de Cristo.

Pr. Daniel Rocha

Pr. Dani­el Rocha

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.