Não julgar para não ser julgado. Esta recomendação de Jesus tem sido mal interpretada ultimamente. A maioria a usa para refrear opiniões a respeito de outras pessoas – mas não é isso que Jesus pretende. Na verdade, ele, naquele mesmo texto, recomenda que se tenha opinião e insiste na necessidade de observar e chegar a conclusões a respeito dos outros. Adverte que devemos tomar cuidado com os falsos profetas, que se aproximam disfarçados. Para discernir um lobo vestido de ovelha é necessário boa observação. Desmascarar é diferente de julgar. Desmascarar é imprescindível à sobrevivência espiritual. Seguir um lobo é perigoso; cair na sua conversa, fatal. Julgar é prerrogativa divina. Já, observar para discernir e desmascarar, é responsabilidade humana.
Cheguei à conclusão de que existem pelo menos quatro tipos de pastores no movimento evangélico brasileiro:
1) Pastores-lobos: pastores corrompidos. Alguns, conscientemente, outros sinceramente enganados. Mas corrompidos na alma, na mente, no coração. Pastores de si mesmos. Homens que se utilizam da fé e do desespero alheios para alcançar seus próprios objetivos, implementar sua visão particular, desenvolver projeto pessoal de poder, dinheiro e imoralidade de toda sorte. São homens que atuam no ramo da religião, mas que estão absolutamente distantes do Evangelho, de sua mensagem, seu espírito, seu caráter, seus propósitos, seus valores.
2) Pastores-ovelhas: são cristãos sinceros e dedicados investidos de autoridade pastoral. São homens que serviram a Deus com integridade e sinceridade ao longo dos anos. Têm boa vontade e capacidades. Dirigiram muito bem suas comunidades na ausência dos pastores – e até melhor -, em caráter circunstancial. Mas não têm vocação. Falta-lhes o carisma. Falta-lhes o chamado do Espírito Santo. Receberam o título, o diploma, mas não receberam a unção que vem do alto.
3) Pastores-pastores: chamo simplesmente de “pastores”. Foram vocacionados pelo Espírito Santo. Ouviram a voz. Carregam o estigma de Cristo e sofrem dores de parto pelos seus rebanhos. Pesa sobre estes a preocupação por todas as igrejas, e quando alguém se enfraquece, eles se enfraquecem também; quando alguém cai em pecado, ficam aflitos. Estes são os que servem a Deus com todas as forças da alma. Jamais seriam realizados e felizes fazendo qualquer outra coisa.
Mas, na mesma intensidade que se dedicam a Deus, são assolados pelas sombras de seu mundo interior. É gente ainda não totalmente resolvida, não completamente curada. São homens de lutas e dores. Experimentam a contradição dos anseios profundos de santidade, sentimentos que convivem com o egoísmo arraigado, o pendor para o mal e o pecado. Apesar das contradições e angústias na alma, Deus sabe que eles o amam e os compreende. O Senhor os ama de um jeito diferente e os usa apesar do que são e do que tentam fazer.
4) Pastores “iluminados”: nem sei ao certo como classificar. Talvez pudesse usar a palavra “iluminados”. Pessoas equacionadas na alma, resolvidas, que vivem no patamar que a Bíblia chama de plenitude do Espírito, e não de maneira eventual, mas perene, consolidada. Costumo receber elogios ao que faço: por um sermão inspirado, por um artigo lúcido, pelo fruto do meu trabalho. Fico satisfeito, honrado e agradeço a Deus pela oportunidade de ser útil. Quando nada me falam, pergunto o que acharam e como avaliam minha performance. Preciso de reforço externo para a sustentação de minha auto-imagem e consolidação de minha identidade.
Os iluminados são diferentes. Eles já sabem o que são e não estão mais preocupados em saber o que os outros pensam acerca do que fazem. Influenciam pela vida e não pela obra. Diante deles, percebemos a tolice do elogio. A sensação é a de que o Senhor conta tudo para eles, e eles olham para nós com aquela cara de misericórdia, acreditando que ainda chegaremos lá. São poucos. Bem-aventurados os que tropeçam neles – até porque jamais se interpõem em nosso caminho. Não se julgam dignos.
(Pr. Ed René Kivitiz, na revista Eclésia de outubro/03)
Comentário: Este é um texto que assino embaixo. Se o povo evangélico soubesse que “desmascarar” não é “julgamento”, mas uma capacidade que Deus nos dá para exercer, não haveria tantos enganos na igreja brasileira. Há, sim, pastores-lobos cujo “deus é o próprio ventre”, como diz o apóstolo Paulo. Conheço alguns. E saber reconhecê-los é ter discernimento. Particularmente gostaria de estar entre os pastores “iluminados”. Obviamente não estou, mas sou consciente do chamado de Cristo para o pastoreio do rebanho, o que faço com humildade e profunda limitação pessoal.
Pr. Daniel Rocha