“Rogo a Evódia e rogo a Síntique que pensem concordemente, no Senhor” (Fp 4.2)
Podemos ceder tudo a Deus: o nosso dinheiro, o nosso tempo, os nossos dons, enfim o melhor de nós mesmos. Mas há algo que recusamos ceder; trememos só em pensar. E esta é a nossa grande prova, é o teste final de todo santo que quer agradar ao seu Senhor: confiar a Ele o controle de tudo o que diz respeito à vida.
Tememos perder o controle porque somos manipuladores por natureza, fazemos nossos joguinhos e valemo-nos de sutis estratagemas. Quando bebês, percebemos em poucos dias de vida que podemos ter um domínio surpreendente sobre os adultos com nosso choro ou manhas. À medida que crescemos refinamos esse controle sobre nossos pais: uns os subjugam com a rebeldia, outros pela extremosa submissão.
Entre os meninos, o controle normalmente é exercido pela força. Entre as meninas, pela graça ou beleza. Já no mundo adulto, pequenos “chiliques” resolvem muitos problemas – afinal, ninguém quer mexer com quem “explode”. Quem controla outros pela fraqueza, doença ou loucura, nem sempre deseja – de fato – abandonar esse estado, pois a partir do momento que se tornar sadio perderá o poder que exerce na doença.
Uns valem-se de joguinhos emocionais ou de ciúme excessivo. Outros, uma delicadeza ou gentileza para que não tenham coragem de lhe dizer “não”. Mesmo num relacionamento amoroso sempre há uma secreta luta pelo controle, frequentemente disfarçada de cuidado ou zelo.
A vida cristã não está isenta desse tipo de problema. Havia na igreja de Filipos, duas mulheres a quem Paulo dirige-se firmemente ao final de sua epístola: “Rogo a Evódia e rogo a Síntique que pensem concordemente, no Senhor” (Fp 4.2). Vejo-as como duas servas valorosas, fiéis, mas parece-me que não estavam se dando muito bem. Possivelmente, entre elas, estava ocorrendo discrepâncias, antagonismo, e é claro, o principal problema – como líderes, buscavam exercer o controle. O maldito controle. Muita desavença deve ter surgido e o mau testemunho deve ter chegado aos ouvidos da igreja. Então Paulo implora: “Será que alguém pode ajudar essas irmãs a se entenderem?”
A 3ª epístola de João é uma pequena e bela carta. Nela, o velho apóstolo reclama de Diótrefes, que “gosta de exercer a primazia”, não dá acolhida aos irmãos, e ainda os expulsa da igreja (3Jo 9–10). É um péssimo exemplo de domínio. De igual modo, no meio evangélico, alguns dons espirituais, que seriam para a edificação do Corpo, acabam sendo instrumentos de dominação. Quem profetiza, revela, cura ou canta bem, sabe que exerce fascínio e poder, e daí é um passo para a dominação de pessoas. Quem tem acesso ao microfone, intimamente reconhece que tem em mãos um instrumento de poder.
O pastor ou líder que não tem bem resolvida a questão do controle, pode ter a tentação de dominar. O apóstolo Pedro, sabendo desta tendência humana exortava aos presbíteros que pastoreassem o rebanho de Deus, mas “não como dominadores” (1Pe 5.3) dos que foram a eles confiados.
Alguns discípulos quiseram sobressair-se em relação aos outros, mas Jesus os advertiu que entre eles não seria assim, e o que quisesse exercer o domínio seria servo de todos. Os valores do Reino são diferentes, mas muita gente ainda não aprendeu. Quando pastores de diversas denominações se encontram em congressos, sempre surge a inevitável comparação de quantos membros compõem seus rebanhos. O poder de cada um é então medido em número de pessoas que ele domina. Na verdade, trata-se de um mal resolvido resquício infantil.
Se a doença do controle não é abandonada, ela cresce mais e mais e pretende-se – o absurdo – de controlar a vida. Por que há tanto cristão amargurado de espírito e magoado com Deus? Porque a vida é fluida, incontrolável, dinâmica, as coisas mudam, são imprevisíveis e não como eles desejam. Controlar a vida é, antes de tudo, não confiar na Graça. Por isso estão “determinando” tanto o que Deus tem de fazer.
Esvaziar-se de si mesmo é o primeiro passo para abrir mão do controle. Quem aprende a viver sob a Graça transfere todo o controle para Deus. Querer controlar é confessar o medo de perder, de não ter em que se apegar. Isso escraviza, torna as pessoas desumanas, insensíveis, gera medo, desconfiança. A nós é pedido que confiemos, descansemos e sejamos mansos.
Abrir mão de todo controle é o estágio dos santos que aprenderam a entregar tudo ao Senhor. Caminhar de mãos vazias, não manipular, enfrentar com dignidade o que a vida nos dá é sinal de maturidade e confiança. E, acima, de tudo, vive-se muito melhor assim.
Pr. Daniel Rocha