A igre­ja refor­ma­da, sem­pre se refor­man­do.” Gis­ber­tus Voe­tius, teó­lo­go refor­ma­do holan­dês (1589–1676)

Refor­mar a nação, par­ti­cu­lar­men­te a Igre­ja, e espa­lhar a san­ti­da­de bíbli­ca por toda a ter­ra.” John Wes­ley (1703–1791), sobre a mis­são do povo cha­ma­do metodista

Por­que assim como num só cor­po temos mui­tos mem­bros, mas nem todos os mem­bros têm a mes­ma fun­ção, assim tam­bém nós, con­quan­to mui­tos, somos um só cor­po em Cris­to e mem­bros uns dos outros” (Roma­nos 12:4–5).

Nunca se abri­ram tan­tas igre­jas no Bra­sil como se tem vis­to ulti­ma­men­te. Aumen­tou o núme­ro de evan­gé­li­cos em nos­so país, porém o Bra­sil não muda nem melho­ra pela pro­por­ção mai­or de cris­tãos em seu território.

A Igre­ja é um cor­po; para ser mais exa­to, um orga­nis­mo vivo. Por esse moti­vo, seu cres­ci­men­to deve ser orgâ­ni­co e natu­ral. Se a Igre­ja não cres­ce, é por­que está doen­te; e, se está doen­te, pre­ci­sa ser tra­ta­da, cui­da­da e acom­pa­nha­da. Uma igre­ja pode ado­e­cer e até mor­rer. Exis­tem mui­tas igre­jas que foram aber­tas e já fecha­ram suas por­tas, igre­jas que estão doen­tes, igre­jas que estão na UTI qua­se para mor­rer. E há tam­bém mui­tas igre­jas hoje que já estão mor­tas e só esque­ce­ram de enterrá-las.

O pas­tor Her­nan­des Dias Lopes, em seu livro Revi­ta­li­zan­do a Igre­ja, descreve:

A Euro­pa, que foi ber­ço da obra mis­si­o­ná­ria e tam­bém celei­ro de tan­tos teó­lo­gos de refe­rên­cia, é con­si­de­ra­da hoje um con­ti­nen­te pós-cris­tão. Menos de 4% da popu­la­ção fre­quen­ta uma igre­ja evan­gé­li­ca. Nos Esta­dos Uni­dos da Amé­ri­ca e no Cana­dá, temos vis­to mui­tas deno­mi­na­ções sucum­bi­rem ao libe­ra­lis­mo teo­ló­gi­co e ao secu­la­ris­mo. Milha­res de igre­jas são fecha­das todos os anos. Tem­plos sun­tu­o­sos, que reve­lam as gló­ri­as de uma igre­ja viva no pas­sa­do, estão vazi­os […]. Pre­ci­sa­mos de uma refor­ma e de um reavivamento”.

Sur­gem então algu­mas perguntas:

Como pode­mos iden­ti­fi­car uma igre­ja doen­te? Quais sãos os sinais de fra­que­za de uma igre­ja? O que pode levar uma igre­ja à mor­te? Pon­tuo a seguir dez carac­te­rís­ti­cas de uma igre­ja em declí­nio ou a cami­nho do ado­e­ci­men­to e até da morte.

1ª Carac­te­rís­ti­ca – Per­da da base doutrinária

Embo­ra o Bra­sil seja o mai­or pro­du­tor de exem­pla­res da Bíblia no mun­do, temos uma igre­ja anal­fa­be­ta em Bíblia. A Bíblia é o livro mais ven­di­do e o menos lido; no Bra­sil, tem cres­ci­do o núme­ro de igre­jas neo­pen­te­cos­tais, que não repre­sen­tam um cres­ci­men­to sau­dá­vel em razão de um evan­ge­lho de faci­li­da­des e de barganha.

O povo de Deus, des­de o Anti­go Tes­ta­men­to, sem­pre teve pra­zer na lei do Senhor e nela medi­ta­va de dia e noi­te (Sl 1:2; Js 1:7), mas os valo­res se inver­te­ram. Quan­do fala­mos de base dou­tri­ná­ria, não esta­mos falan­do de usos e cos­tu­mes nem de regras deno­mi­na­ci­o­nais. Esta­mos falan­do é da dou­tri­na de Cris­to e da dou­tri­na dos após­to­los (Hb 6:1; At 2:42). E a dou­tri­na deve estar asso­ci­a­da à vida.

Atu­al­men­te, as igre­jas não que­rem ouvir a Pala­vra. Que­rem entre­te­ni­men­to, e não enten­di­men­to; que­rem emo­ção, e não com­pre­en­são, que­rem expe­ri­ên­ci­as, e não o conhe­ci­men­to da ver­da­de. Pre­ci­sa­mos apren­der com os cris­tãos berei­a­nos (At 17:10–11). Nós meto­dis­tas éra­mos conhe­ci­dos como tra­ças da Bíblia. Pre­ci­sa­mos vol­tar a ser conhe­ci­dos por devo­rar, ali­men­tar-nos, beber da Palavra.

2ª Carac­te­rís­ti­ca – Per­da da base da oração

Como igre­ja, pre­ci­sa­mos parar de cor­rer atrás de cam­pa­nhas, bên­çãos e mila­gres. Pre­ci­sa­mos é de cor­rer atrás da inti­mi­da­de com Deus, pois quem tem Deus tem as bên­çãos, e elas o(a) segui­rão e os sinais o(a) acom­pa­nha­rão (Dt 28:2; Mc 16:17).

Uma igre­ja for­te cami­nha de joe­lhos. Uma igre­ja viva quer Deus mais do que Suas ben­çãos. Ter inti­mi­da­de com Deus é mais impor­tan­te do que tra­ba­lhar para Deus. A vida com Deus deve vir antes do tra­ba­lho para Deus. A obra de Deus não subs­ti­tui o Deus da obra. Deus não unge méto­dos; Deus unge pes­so­as de ora­ção. Uma igre­ja que asso­cia ora­ção e a Pala­vra vive­rá o novo de Deus. Todo cris­tão deve­ria saber que, se as reu­niões de ora­ção forem aban­do­na­das, todo tra­ba­lho será em vão.

3ª Carac­te­rís­ti­ca – Per­da da comunhão

Lopes des­cre­ve que a comu­nhão dos cris­tãos não pode ser um fim em si mes­ma, e sim um meio de gra­ça; pois “a igre­ja não vive para si mes­ma. Não abas­te­ce a si mes­ma para gas­tar sua ener­gia con­si­go. […] Comu­nhão sem mis­são é fal­ta de visão”.

O bis­po meto­dis­ta Adri­el de Sou­za Maia uti­li­za uma fra­se mui­to conhe­ci­da entre os pas­to­res: “Não se toma cafe­zi­nho de gra­ça!”. Para mim, essa fra­se sem­pre quis dizer que toda for­ma de comu­nhão tem o seu pre­ço; Jesus pagou um alto pre­ço para hoje ter­mos aces­so e comu­nhão com Ele. Se per­der­mos de vis­ta que todo momen­to de comu­nhão da igre­ja deve gerar mis­são, per­de­re­mos a dimen­são de ser igre­ja e do pre­ço que foi pago por isso. Ouvi algum dia, creio que do pas­tor Josa­dak Lima, que “Cris­to não fazia pro­gra­ma de comu­nhão; a comu­nhão era pro­gra­mar-se para estar com Ele”. Em outras pala­vras, deve­mos nos pro­gra­mar não para levar as pes­so­as ape­nas a um chá da tar­de, a uma fes­ti­vi­da­de da igre­ja, mas para estar com elas a cada momen­to e levá-las a Cristo.

4ª Carac­te­rís­ti­ca – Inva­são da igre­ja pelo mundo

Exis­te um dito: “Fui pro­cu­rar a igre­ja e a achei no mun­do; fui pro­cu­rar o mun­do e o encon­trei na igre­ja”. Uma igre­ja mun­da­na pre­ci­sa ser sal­va. E o que carac­te­ri­za uma igre­ja mun­da­na? É aque­la cujos mem­bros se apar­tam da san­ti­da­de e da con­sa­gra­ção do evan­ge­lho da gra­ça. A igre­ja é como um bar­co e o mun­do é o oce­a­no; o bar­co foi fei­to para o oce­a­no, mas o vas­to oce­a­no não foi fei­to pen­san­do no bar­co. Quan­do entra água demais em um bar­co, ele afun­da, é engo­li­do e sub­mer­ge; assim é uma igre­ja que per­mi­te a entra­da do secu­la­ris­mo e do rela­ti­vis­mo. Hoje o mun­do tem inva­di­do a igre­ja, enquan­to a igre­ja não tem alcan­ça­do o mun­do, que está per­di­do e mui­to lon­ge de Deus.

5ª Carac­te­rís­ti­ca – Per­da de Deus

Inver­te­mos total­men­te os valo­res! Nos­sa gera­ção de cris­tãos está cada vez mais fra­ca e débil, pois não é mais a von­ta­de de Deus que pre­ci­sa ser fei­ta na ter­ra, mas a von­ta­de do homem que pre­ci­sa pre­va­le­cer no céu. As pre­ga­ções estão foca­das no ser huma­no, e não em Deus. Não é mais o huma­no que está a ser­vi­ço de Deus, mas é Deus que está a ser­vi­ço da huma­ni­da­de. As pes­so­as não pro­cu­ram mais uma igre­ja para ser­vir a Deus; pro­cu­ram uma igre­ja em que pos­sam ser ser­vi­das. Nes­sa inver­são de valo­res, as igre­jas têm vivi­do um evan­ge­lho antro­po­cên­tri­co (foca­do no ser huma­no), e não teo­cên­tri­co (vol­ta­do para Deus). Per­de-se o temor, a pai­xão, o fer­vor, enfim, per­de-se Deus de vis­ta. Deus é tro­ca­do por aqui­lo que Ele pode fazer. É pre­ci­so lem­brar, no entan­to, que cris­ti­a­nis­mo não é uma cole­ção de regras, e sim um rela­ci­o­na­men­to com o Deus vivo

6ª Carac­te­rís­ti­ca – Per­da da expan­são missionária

Quan­do uma igre­ja per­de a dimen­são de expan­são, de con­quis­tas de novos ter­ri­tó­ri­os (At 1:8), quan­do não se expan­de geo­gra­fi­ca­men­te (por toda a Judeia e Sama­ria e até os con­fins da ter­ra), ela mor­re. Igre­jas que não saem do lugar ao lon­go de déca­das, igre­jas que não geram filhas espi­ri­tu­ais, que só inves­tem recur­sos em si mes­mas, no seu delei­te, no seu con­for­to, mas jamais ini­ci­a­ram um pon­to de pre­ga­ção, jamais come­ça­ram uma con­gre­ga­ção, jamais plan­ta­ram uma nova igre­ja, ado­e­cem e podem mor­rer. Deve­mos per­ma­ne­cer em Jeru­sa­lém, mas a fim de sair­mos como tes­te­mu­nhas para outros luga­res. Expan­di­mos ou mor­re­mos, lem­bran­do que, cano­ni­ca­men­te, é dever de um bom meto­dis­ta abrir um tra­ba­lho meto­dis­ta (célu­la, pon­to mis­si­o­ná­rio etc.) onde não exis­ta nenhum.

7ª Carac­te­rís­ti­ca – Per­da da essên­cia do evangelho

A igre­ja é um cor­po mis­si­o­ná­rio ou um cam­po mis­si­o­ná­rio. Uma igre­ja que não evan­ge­li­za pre­ci­sa ser evan­ge­li­za­da. Uma igre­ja que não evan­ge­li­za fos­si­li­za-se. Mui­tas pes­so­as que­rem ado­tar ritos, dog­mas, cri­an­do far­dos e regras que mais afas­tam do que apro­xi­mam as pes­so­as da essên­cia do evan­ge­lho. Não pode­mos rela­ti­vi­zar o evan­ge­lho nem valo­ri­zar dou­tri­nas e teo­lo­gi­as mais do que o evan­ge­lho. Nos­sos recur­sos e méto­dos não podem enges­sar nem pren­der ou inter­rom­per o poder do evan­ge­lho (Rm 1:16). Se nego­ci­ar­mos a essên­cia do evan­ge­lho, ado­e­ce­mos como igre­ja. O evan­ge­lho é imutável.

8ª Carac­te­rís­ti­ca – Não capa­ci­ta­ção de líde­res (2 Tm 2:15)

Estou qua­se con­ven­ci­do de que o mai­or pro­ble­ma de uma igre­ja não são seus mem­bros, ou fre­quen­ta­do­res, mas a sua lide­ran­ça. O pas­tor esta­du­ni­den­se Dwight Moody, um dos mai­o­res pre­ga­do­res de sua épo­ca, dizia que os obrei­ros são o mai­or pro­ble­ma da obra. Uma igre­ja que não foca par­te de seus esfor­ços na for­ma­ção de uma lide­ran­ça sadia e mul­ti­pli­ca­do­ra está fada­da ao fra­cas­so e a ado­e­cer. Por meio de Jesus Cris­to, os dis­cí­pu­los inves­ti­ram uns oiten­ta por cen­to de seu tem­po no aper­fei­ço­a­men­to do seu cará­ter e na sua capa­ci­ta­ção para que fos­sem suces­so­res do esti­lo de vida e da men­sa­gem do Mes­tre. O suces­so do minis­té­rio de Jesus e do cris­ti­a­nis­mo foi fazer e capa­ci­tar suces­so­res. Os líde­res estão em cri­se: cri­se voca­ci­o­nal, cri­se fami­li­ar, cri­se teo­ló­gi­ca, cri­se espi­ri­tu­al. E, quan­do os líde­res estão em cri­se, a igre­ja tam­bém fica em cri­se. A igre­ja refle­te seus líde­res. Não exis­tem líde­res neu­tros. Um exem­plo dis­so é a fra­se do bis­po Ari­el Sou­za Maia: “Não exis­tem igre­jas peque­nas, e sim pas­to­res peque­nos”. Ser peque­no em Deus é ser peque­no para Deus.

9ª Carac­te­rís­ti­ca – Per­da de alcan­ce nas casas

Uma igre­ja que não tra­ba­lha com gru­pos (de dis­ci­pu­la­do, célu­las, peque­nos gru­pos) não cum­pre o seu desíg­nio como igre­ja (At 5.42) nem cum­pre a gran­de comis­são (Mt 28:18–20). Hoje em dia, no Bra­sil, as igre­jas estão se tor­nan­do cada vez menos comu­ni­tá­ri­as: as pes­so­as pre­fe­rem ver os cul­tos pela inter­net, não vão mais aos cul­tos públi­cos e não têm com­pro­mis­so pes­so­al nem envol­vi­men­to; entram e saem da igre­ja sem se conhe­ce­rem, sem se rela­ci­o­na­rem umas com as outras, e esse não é o exem­plo de comu­ni­da­de que vemos nas igre­jas pri­mi­ti­vas (At 2:46–47). Per­de­mos a dimen­são do que é ser famí­lia na fé, irmãos e irmãs em Cris­to. Essa fri­e­za e esse dis­tan­ci­a­men­to estão geran­do um evan­ge­lho egoís­ta e indi­vi­du­a­lis­ta, nada pare­ci­do com o que Jesus viveu e ensi­nou. Hoje, o medo de colo­car pes­so­as em nos­sas casas, as redes soci­ais e a faci­li­da­de de aces­so a infor­ma­ções pou­co con­fiá­veis têm mina­do os valo­res das pes­so­as e sua dis­po­si­ção para se envol­ver e rece­ber Cris­to em suas casas.

10ª Carac­te­rís­ti­ca –Viven­do das gló­ri­as do passado

Embo­ra este­ja­mos no sécu­lo 21, exis­tem mui­tas igre­jas que estão con­tan­do van­ta­gens que tive­ram em déca­das ou sécu­los pas­sa­dos; é o famo­so sau­do­sis­mo (valo­ri­za­ção dema­si­a­da do pas­sa­do). Tive um pro­fes­sor de filo­so­fia que me dis­se: “A sau­da­de do pas­sa­do é a ingra­ti­dão com o pre­sen­te”. E eu acres­cen­to que per­ma­ne­cer no pas­sa­do é esque­cer-se do pre­sen­te, enten­den­do que a unção de ontem não ser­ve para hoje. Isso che­ga a ser uma deca­dên­cia espi­ri­tu­al, pois o pior doen­te é aque­le que não tem cons­ci­ên­cia de sua enfermidade.

Uma igre­ja nun­ca está tão à bei­ra da mor­te como quan­do se van­glo­ria dian­te de Deus por suas gló­ri­as do pas­sa­do. Uma igre­ja viva é atu­an­te e rele­van­te onde quer que este­ja inse­ri­da. Para isso, é bom nos per­gun­tar­mos: que tipo de igre­ja dei­xa­re­mos para nos­sos filhos e netos? Como será nos­sa igre­ja para as pró­xi­mas gera­ções: uma igre­ja viva ou morta?

Fina­li­zo des­ta­can­do que cada pes­soa é par­te da igre­ja. A igre­ja não é suas pare­des nem suas regras e mui­to menos sua pla­ca. Pode­mos afir­mar que a mor­te de uma igre­ja é a mor­te de seus líde­res, pois a lide­ran­ça de uma igre­ja pode ser uma ben­ção ou um entra­ve para seu cres­ci­men­to. Por­tan­to, a refor­ma da igre­ja depen­de da refor­ma de seus líde­res.

Pr. Isra­el Rocha

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