“Fiquem quietos! Saibam, de uma vez por todas, que Eu sou Deus” (Salmo 46.10)
Profusão de palavras, profusão de profecias, profusão de decretos… Há uma verborragia no ar. Pregadores gritam frases desconexas nas rádios, numa mistura de português, “angeliquês” e pedidos de oferta. Na TV, pastores de cabelos engomados falam aos borbotões ensinando fórmulas de como conquistar amor, dinheiro e felicidade. Músicas cristãs, com forte apelo comercial, pobres em letras, rimas e conteúdo, invadem todas as freqüências do dial.
Nunca houve tanta banalização da palavra. É desesperançoso tentar separar o que é Evangelho de Cristo do que é mero proselitismo (que insistem em chamar de “evangelização”). Se no passado o Senhor pediu para o povo afastar “ o estrépito dos cânticos” (Am 5.23), não duvido que hoje Ele esteja dizendo o mesmo aos pregadores e comunicadores de nossa geração.
Eu creio que o Diabo está enchendo o mundo de ruídos para abafar a voz de Deus que insistentemente quer falar ao coração. São legiões gritando o tempo todo. Ninguém mais ouve a voz que vem do fundo da alma. Achei muito propícia a paráfrase que Eugene Peterson fez do Salmo 46.10:
“Caia fora da agitação! Contemple-me com amor, durante um longo tempo, a mim que sou o seu Deus das Alturas, acima da política, acima de qualquer coisa”
Confesso que sempre achei convidativo ver nas igrejas católicas as portas abertas, e no meio do burburinho da cidade, pessoas entram e ajoelham-se, na penumbra de um santuário vazio. Sozinhas, em silêncio, fazem suas preces, e suspendem por um momento suas vidas cansadas. Num templo evangélico isso seria impossível. Por quê? Logo viria uma pessoa falando e discorrendo do que sabe e do que não sabe. Somos o povo do blá-blá-blá. O silêncio é visto como um tempo inútil e constrangedor em que não se faz “nada”. Por isso deve ser eliminado.
Ah, se de repente se calassem as bandas, as rádios, os CDs, as TVs, os pregadores… A conseqüência imediata seria a debandada do povo que busca agitação – e não Deus – para suas vidas.
Aquieta-te Marta! Por que tanta agitação, tanto corre-corre? Por que este ativismo que só traz canseira? Sente-se, escute o Mestre, aquiete o seu coração ansioso. Eu quero falar-lhes, mas vocês não deixam. Passam longos momentos orando, falando comigo, mas quando vou lhes falar ao coração, não dão oportunidade. Fiquem quietos, façam um silêncio interior, “não te precipites com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma diante de Deus… portanto, sejam poucas as tuas palavras” (Ec 5.2)
Você já viu pastor fazendo uma “breve saudação” à igreja? É a deixa para ele discorrer sobre diversos assuntos. Outros se valem do sermão para torturar a platéia com torrentes de palavras, que não importa se tem nexo com o tema proposto, desde que eles possam falar tudo o que lhes vem à mente. Creio que nunca compreenderam quando o salmista pede: “põe guarda, Senhor, à minha boca; vigia a porta dos meus lábios” (Sl 141.3).
Não te achegues diante do Rei e vai pedindo: “eu quero isso, resolve aquilo, me dá aquilo outro”. Reverencie o Rei, proste-se aos Seus pés, adore‑O, sinta a Sua presença…
Enchemos a vida de ruídos porque tememos ouvir a voz do coração. Fugimos do contato conosco mesmo, e perdemos o centro da vida e do equilíbrio. Não estamos centrados em nós mesmos. Daí a angústia, aquele sentimento vago de quem não sabe exatamente porque está triste. É a dor que não tem objeto, posto que lhe é desconhecida.
Agostinho disse que O homem é a única criatura que pode vir a conhecer Deus, mas para fazê-lo ele precisa, previamente, entrar em contato consigo mesmo. É só a partir desse encontro consigo mesmo que se desfraldará o encontro com Deus. E para estar em contato consigo faz-se necessário o silêncio interior.
Fico imaginando Jesus, em silenciosas madrugadas, subindo ao monte para orar ao Pai. E ali, sem nenhuma palavra nos lábios, longe do burburinho, e com o coração vazio e sedento, começa uma longa conversa silenciosa com o Pai. Que coisa maravilhosa aprender que “mesmo no silêncio e com o silêncio dialogamos”.
Pr. Daniel Rocha