Já faz algum tempo que tenho sentido dentro de mim uma inquietação e um incômodo que não sentia há anos. E por diversas vezes perguntei a Deus o que é isso que estou sentindo. Será que estou em pecado? Será que não tenho realizado Sua vontade? Será que não tenho observado os mandamentos? Será que não tenho sido um bom pai, um bom marido ou mesmo um bom filho? Será que não tenho amado o Senhor o suficiente? Será que não O tenho servido plenamente? Eu me fiz diversas outras perguntas como estas e, ao fazer uma autoanálise, minhas respostas até que me pareceram razoavelmente satisfatórias.
Contudo, percebi que a inquietação e o incômodo não iam embora, e então mudei as perguntas: será que eu estou orando pouco? Será que não estou jejuando? Devo ampliar minha leitura bíblica? Então comecei a reforçar meu desempenho nas disciplinas espirituais, mas, mesmo tentando atuar espiritualmente em alto nível, percebi que isso também não resolvia, não mudava o que me incomodava interiormente; pelo contrário, só aumentava aquela inquietação e me abatia ainda mais.
Comecei a achar que o problema era com a minha saúde e fui procurar ajuda profissional. Acabei de fato descobrindo alguns distúrbios, todos eles em decorrência do meu sedentarismo acumulado. Cheguei a pensar: o que tenho sentido deve ser pela baixa produção de dopamina e endorfina, carência que se resolve com atividade física. Em quatro meses, passei a suplementar meu corpo com vitaminas e hormônios, que estavam desregulados, e a praticar atividade física, o que me ajudou e está me ajudando, pois perdi peso e estou ganhando qualidade de vida. No entanto, isso também não mudou o que sinto interiormente nem reduziu a inquietação que tanto me perturba.
Então, comecei a procurar nos estudos de psicologia e psicanálise algo que respondesse aos meus anseios ou justificasse o quadro interior pelo qual estou passando e cheguei a me questionar se não seria algo para ser tratado pela psiquiatria, tal como a ansiedade e a depressão, os males deste século. Concluí, porém, que a ansiedade é o excesso de futuro, e a depressão, o excesso de passado, assim como o estresse é o excesso de presente. Pensei até em burnout – ou síndrome do esgotamento profissional, algo que já tive e tratei quando pastoreava a igreja anterior –, mas esta é uma inquietação diferente.
Depois de meses sentindo essa inquietação, pude perceber em Deus que ela era uma espécie de angústia. Mas o que é angústia? O dicionário Oxford a define como “estreiteza, redução de espaço ou de tempo; carência, falta; estado de inquietude; sofrimento, tormento”. Eu estava angustiado e não sabia. Estava não, estou! Não pela ausência de Deus em minha vida, não pela falta de prática da religiosidade, não pela vida que levo, não pela família que tenho, não porque me falte algo.
Angústia é uma palavra que perpassa as Sagradas Escrituras, do Antigo ao Novo Testamento. Em hebraico, usa-se a palavra tsar, ou tsarah, traduzida também por “aflição” (Jó 5:19 e 15:24; Sl 81:7); no grego, língua do Novo Testamento, as palavras são ademoneo, sunodino e stenochoria (Mc 14:33; Rm 8:22; 2 Co 6:4), que também significam “aflição”, “profunda dor” (como a de parto), “extrema aflição” ou “calamidade”. A angústia, biblicamente, não ocorre apenas quando passamos por algo ruim e não é, de modo algum, obra do diabo. Às vezes, Deus nos permite passar por angústias e até ser consumidos por elas para percebermos algo que comumente não perceberíamos: “Que pensais vós contra o Senhor? Ele mesmo vos consumirá de todo; não se levantará por duas vezes a angústia.” (Na 1:9); assim como é Ele também que nos livra da angústia: “Senhor, tem misericórdia de nós; em ti temos esperado; sê tu o nosso braço manhã após manhã e a nossa salvação no tempo da angústia” (Is 33:2).
Eu creio que o próprio Deus enviou a angústia a esta geração: “Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora”. (Rm 8:22). Também creio que Ele está batizando a igreja com um batismo de angústia por ela não fazer a diferença que precisa fazer nesta geração e por conformar-se apenas em ser uma igreja em si mesma, e não uma igreja que muda o mundo. A igreja não pode ser um passatempo, nem um entretenimento, nem um clube de recalque. Ela precisa ser a agência de salvação do mundo, um lugar onde as pessoas sejam aliviadas de sua angústia humana e batizadas com a angústia divina. Não é somente uma troca de fardo e de vida, mas também uma troca de angústia.
Talvez você me ache um louco por fazer tais afirmações, mas é nelas que eu me tranquilizo! Afirmamos ser imitadores de Jesus, mas o que tem nos feito suar sangue de angústia como Jesus suou? No Getsêmani, de acordo com as Escrituras, Jesus ficou profundamente angustiado e Seu suor se converteu em grandes gotas de sangue. Segundo a medicina, esse evento é chamado de hematidrose, ou seja, excreção de suor com sangue! Trata-se de um fenômeno raríssimo, causado por profunda emoção e comoção (Lc 22:44).
O apóstolo Paulo também entendeu que, como ministro de Deus, passaria por essa angústia pelo Evangelho (2 Co 6:4). Por que nós seríamos poupados disso se Deus nem ao Seu próprio filho poupou (Fp 1:29; Rm 8:32)?
Pensei diversas coisas por me sentir assim. Pensei até mesmo que estava ficando louco ou perdido. Contudo, ao pesquisar sobre o assunto constatei que outros homens de Deus do passado já sentiram o que estou sentindo e também pregaram sobre isso em seu tempo. Foi o caso do pastor estadunidense David Wilkerson, nas décadas de 1970 e 1980, como constatamos em sua famosa pregação “Um chamado para angústia” (disponível em: https://youtu.be/kRYhW4wO3UY).
Talvez você esteja passando pelo mesmo sentimento gerado por Deus no seu interior e, tal como eu, não entende o que é. Talvez este breve texto lhe traga luz para sair disso ou, pelo menos, para aprender a lidar com isso. Porque toda paixão verdadeira começa com uma angústia. Coloque‑a no lugar certo e a utilize corretamente.
Ah, querido irmão, querida irmã, o que tem angustiado você? As coisas desta vida ou as do porvir? Sua própria vida ou a perdição de muitos? Você não fica angustiado com as coisas que estão acontecendo à sua volta? E você vai ficar parado? Neste exato momento, não o(a) angustia que pessoas estejam indo para o inferno? Não lhe traz angústia o fato de a igreja estar mais preocupada com a estética do que em ser profética? Não lhe traz uma angústia santa perceber que o Brasil está cheio de cristãos igrejados e desigrejados, e o país não muda, só piora? Se você tem olhado só para você, quero lhe dizer que você precisa urgentemente de um batismo de angústia! Sua vida está confortável? Tranquila? Não lhe traz angústia saber que o censo demográfico brasileiro classifica boa parte dos cristãos atualmente como evangélicos não praticantes? Batiza-nos, Senhor Deus, não só com amor pelas almas, mas com a angústia e com o inconformismo com este mundo!
Que o Senhor faça você sentir prazer na angústia! Prazer na angústia, pastor? Sim, sim, na angústia! “Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte” (2 Co 12:10).
Pr. Israel Rocha