Queimou o feijão? Foi o diabo. Topou com o pé na mesa? É artimanha do demo. Bateu o carro? O diabo se colocou no caminho. O chefe lhe deu advertência? O inimigo está furioso…
Diante de afirmativas assim, fiquei pensando: como começou essa obsessão que se transformou em paranóia para uma boa parcela dos crentes? Da Bíblia é que não foi, pois isso é coisa da religiosidade popular que nem sempre tem um bom embasamento na Palavra.
Lembrei-me do apóstolo Paulo quando tomou um navio que foi sacudido por uma terrível tempestade, bateu nas rochas, sofreu naufrágio e quase morreram afogados. Não se ouviu uma só palavra do apóstolo contra Satanás. Pelo contrário, ele havia percebido condições climáticas que desaconselhavam uma viagem de navio, e o bom senso deduziu que seria melhor permanecer onde estavam.
Virou moda culpar o diabo pelos desvios de caráter: preguiça, prostituição, adultério… Opinião equivocadíssima, pois a Bíblia diz que isso é “defeito” seu, homem carnal. Está lá no seu “DNA adâmico”. Portanto, assuma a responsabilidade e mude de comportamento. Ao preguiçoso, por exemplo, Salomão manda observar as formigas: “Vai ter com a formiga, ó preguiçoso”.
O próprio Jesus já ensinava: “De onde procedem a prostituição, o adultério, a malícia” (Mc 7.21 )? Mais uma vez a origem do problema não vem de fora, mas de dentro: “É de dentro do coração do homem”, responde aquele que conhece nosso interior.
Mau comportamento, xingamento, gritaria é coisa do diabo? Pode ser que sim, mas normalmente é falta de educação mesmo, falta de temor a Deus. E Paulo não manda expulsar nada, mas dá um conselho: “Longe de vós toda cólera, e ira, e gritaria, e blasfêmia, e bem assim toda malícia” (Ef 4.31). Ou seja, ele manda a pessoa tomar consciência desse comportamento inadequado, ridículo para um crente e parar com isso.
E quanto aos impedimentos que há em nossa vida? Será tudo obra do coisa-ruim? É verdade que aos tessalonicenses, Paulo diz que Satanás “nos barrou o caminho” (1Ts 2.18). Muito bem, houve aí um discernimento espiritual e não uma obsessão do apóstolo. Mas em outra ocasião, no livro de Atos, ele diz que tentou ir para Bitínia, “mas o Espírito Santo nos impediu” (At 16.7). E mais: o Espírito também o impediu de pregar a palavra na Ásia (At 16.6). Vejam: não foi Satanás, foi o Espírito Santo de Deus!
Deus também muitas vezes nos barra o caminho. Deus também coloca impedimentos. Se você não tiver um discernimento espiritual vindo do Alto não impute a Satanás o que o Senhor está fazendo, pois você pode se ver lutando contra os Céus. Imagine agora quantas vezes o próprio Senhor impediu uma viagem sua, fechou-lhe uma porta, frustrou-lhe um plano…
Há alguns anos esteve em nossa igreja um missionário que levou “bomba” na prova do Seminário e ele teve de voltar à sua congregação por ter sido reprovado. Obra do diabo? Não! E ele conta: “se eu não tivesse reprovado eu jamais conheceria a esposa que Deus havia me preparado”. Hoje eles são missionários no Senegal. Deus o “impediu” de terminar o curso de Teologia, pois tinha coisa melhor para ele!
Toda enfermidade tem origem no diabo? Depende. Foram poucos os casos de cura em que Jesus mencionou tal coisa. Quando Paulo escreve a Timóteo, que sofria de “freqüentes enfermidades do estômago”, ele simplesmente manda tomar “um pouco de vinho” (como remédio), e ponto final. Não há nenhuma menção, nenhuma advertência, nenhuma explicação sobrenatural para a doença do jovem Timóteo. E o conselho de Paulo é simples: se cuida, e toma o remédio regularmente! O Deus do sobrenatural também é o Deus do cotidiano. O Senhor do extraordinário também se manifesta no ordinário.
Com certeza evitaríamos muitos problemas e acidentes simplesmente se cuidássemos e fizéssemos aquilo que precisa ser feito. Vejam os exemplos que iniciei esse artigo:
1) Queimou o feijão? Será que não é porque você ficou papeando ao telefone?
2) Topou com o pé na mesa? Talvez você seja um afobado.
3) Bateu o carro? Ah, sim, o farol estava vermelho e você achou que dava tempo.
4) O chefe lhe deu bronca? Não seria por causa de sua 3a falta no mês?
Foi dado uma prova a um grupo de seminaristas, o tempo era de 60 minutos para concluir, o tema era: “Fale sobre Deus e fale sobre o Diabo”. Um seminarista começou a escrever sobre Deus, sua grandeza, sua obra e quando viu faltava 1 minuto para esgotar o tempo. Pegou rapidamente uma folha em branco escreveu o titulo Satanás. E logo abaixo escreveu: “Não há tempo para Satanás”. Ganhou em primeiro lugar.
Pr. Daniel Rocha