“Não deixemos de nos congregar, como é costume de alguns. Pelo contrário, façamos admoestações, ainda mais agora que vocês veem que o Dia se aproxima” (Hebreus 10:25).
Decidi escrever sobre um assunto que tem me incomodado como pastor desde 2020, quando pastoreava a Igreja Metodista em Praia Grande, assunto esse que me levou a gravar um vídeo para aquela igreja, disponível no YouTube por este link: https://youtu.be/ochGnUxvL1o.
Fomos criados para a comunhão, e não para o isolamento. Desde os primórdios, nossos antepassados conseguiram sobreviver não porque eram os mais fortes ou capazes, mas porque eram gregários, agiam em comunidades, colônias, grupos, para assim sobreviver, caçar e se desenvolver. Desde então o “agregar” e o “congregar” fazem parte de nossa história como raça humana.
O ano de 2020 chegou nos desestabilizando com a pandemia da covid-19, e nos estremeceu em nossas convicções, raízes e costumes. A igreja era um lugar onde expressávamos tais convicções, raízes e costumes, inclusive nossa principal característica, que é a de nos congregarmos e usufruirmos dos benefícios da comunhão entre os irmãos e, por que não dizer, da comunhão com o próprio Deus! Alguns de nós, ao se afastarem da comunhão presencial da igreja desde a pandemia, acabaram também se afastando de Deus, infelizmente.
Vivemos um período muito delicado de medo, pânico e muito receio de contágio e cientes das necessárias medidas de quarentena. Foi um tempo de muitas perdas e de muito luto, porque perdemos pessoas queridas, adiamos ou esquecemos sonhos e renunciamos ao direito de ir e vir, pois a máxima a ser respeitada era “fique em casa”. Foram tempos realmente difíceis, mas veio a vacinação, que flexibilizou as regras e possibilitou aos poucos nossa convivência com o assim chamado “novo normal”.
Alguns chegaram a imaginar o fim da igreja presencial! De fato, um dos ambientes mais atingidos com a pandemia foram as igrejas, mas elas foram retomando suas atividades paulatinamente, assim como quaisquer outros locais de encontro de pessoas – mercados, feiras, restaurantes, hotéis etc. Lamentavelmente, muitos já estão à vontade para ir a diversos lugares públicos, mas não se sentem confiantes para retornar à congregação e à comunhão dos santos.
Não quero emitir aqui um caráter de condenação ou juízo de acusação aos que ainda não se sentem à vontade para voltar ao convívio da igreja. Mas venho, por meio desta pastoral, refletir um pouco sobre o assunto à luz das escrituras, com o objetivo de tentar trazer uma nova perspectiva a esse assunto. Como dizia o célebre pastor e escritor estadunidense A. W. Tozer, “um mundo assustado precisa de uma igreja corajosa”.
E um dos recursos que a igreja disponibilizou, e ainda disponibiliza, neste tempo de pandemia é o culto on-line. Entretanto, mesmo sendo em tempo real, o culto virtual limita nossa comunhão como igreja e corpo de Cristo. Isso acontece porque o culto on-line só nos permite uma comunhão de fato com os de nossa casa, quando ele acontece em família. Assim, não temos comunhão com os que estão no culto presencial, porque a internet tem o poder de unir os que estão longe, mas afastar os que estão perto. Embora eu tenha de afirmar e concordar que o culto on-line alcança e abençoa muitas pessoas, de maneira subjetiva ele tem minado o congregar como Deus planejou, nesta era de hiperegos e hiperindividualismo.
A igreja on-line, ainda que alcance seus resultados, não faz parte do plano original de Deus, e é resultado, isso sim, da tecnologia e da pós-modernidade. Como disse um pastor amigo meu, “se Deus quisesse uma igreja on-line, em vez de apenas nos dar a vida de Jesus Cristo, Ele nos daria a banda larga junto”. Sendo assim, o formato de culto on-line veio para auxiliar a igreja num momento específico, e não para substituir a comunhão presencial de todos os santos.
Preciso lembrar que, tal como ela é, a igreja é de fato essencial e insubstituível. Ela é um corpo, um rebanho, uma família. Não podemos viver isolados dela. Jesus vem buscar uma igreja orgânica, viva, e não isolada e virtual. Não podemos ficar “desigrejados”. Pertencemos uns aos outros e devemos nos congregar para servir uns aos outros, exortar uns aos outros, ser benção uns para os outros, amar uns aos outros, coisas que não se consegue fazer a distância.
Concordo com o teólogo estadunidense Orton H. Wiley, em seu exaustivo comentário à carta aos Hebreus, quando ele diz: “O culto público é uma necessidade da vida cristã, e a comunhão entre os irmãos sempre foi considerada um dos principais meios pelos quais se manifesta a graça”. Já o teólogo britânico Donald Guthrie afirma, em seu livro Hebreus: Introdução e Comentário: “O Novo Testamento não oferece apoio algum à ideia de cristãos isolados. A comunhão estreita e regular não é apenas uma ideia agradável, mas também uma absoluta necessidade para o encorajamento dos valores cristãos”.
Gostaria de destacar duas características orgânicas relevantes que só encontramos na comunhão do culto presencial e que o culto virtual não pode nos dar: 1) o culto presencial é endógeno, ou seja, acontece de dentro para fora, ao contrário do virtual, que é de fora para dentro, tornando o participante mais um espectador e consumidor de conteúdo; 2) o culto presencial é sinergética, isto é, nele sentimos o calor humano e recebemos e enviamos energia juntos, enquanto o culto virtual é frio e distante.
A igreja é o mistério de Deus que esteve oculto dos séculos e das gerações, mas que nos foi revelado (Ef 5:32). A igreja é Deus em Cristo unindo-se ao homem para fazer dele Sua habitação. A igreja é algo extraordinário, a noiva da divindade, a morada permanente do Deus eterno, a família dos filhos gerados pelo próprio Deus que carregam dentro de si a natureza divina. A igreja é a esperança para este mundo. A igreja é a resposta de Deus para esta geração (Ef 1:22–23). Todas essas verdades mencionadas não são apenas ilustrações bonitas e poéticas, mas uma realidade espiritual, e não virtual.
Não importa o quanto a igreja pareça decadente e desgastada; ela é o maior presente de Deus para a história e nunca poderá ser destruída, porque é o corpo de Cristo, e não sua fibra ótica, pois é parte d’Aquele que vive eternamente.
Até a própria Ceia do Senhor tem como objetivo a comunhão, o estar juntos em torno de uma mesa. Em 1 Coríntios 11:17–20, o apóstolo Paulo condena as separações, o partidarismo, as divisões e o famoso cada um por si. Observa que a igreja em Corinto havia perdido de vista o propósito do que a ceia comunica; e, para os que não queriam a comunhão, apenas o individualismo, o apóstolo recomendava que ficassem em casa e lá comessem (1 Co 11:22), porque é necessário discernir o corpo, ou o que é de fato a comunhão do corpo, da Igreja. Em razão da pandemia, perdemos e invertemos até o sentido da Ceia, pois alguns preferem a tomá-la em casa a tomá-la na comunhão da igreja. Uma solução que era “provisória” para determinado momento tornou-se “permanente” e não nos damos conta de que, aos poucos, está se tornando “normal”.
Muitos irmãos e irmãs já voltaram totalmente ao culto presencial, outros o fizeram parcialmente, e todos(as) estão sendo guardados(as) por Deus, pois, ao contrário do que muitos pensam, isso não significa desafiar ou testar a Deus, mas vencer a si mesmo(a). Não sei o que impede você de voltar à igreja; talvez desconforto, medo, comodismo. Se for esse o seu caso, esta reflexão é para você. Obviamente, existem pessoas neste exato momento que não têm condição nenhuma de retornar à igreja, em razão da sua ocupação, do seu trabalho. Entendemos que talvez não seja por falta de vontade, mas por total impossibilidade. Para essas, não há o que fazer senão a prática do culto on-line, o qual, como eu disse anteriormente, veio para auxiliar a igreja. Aqueles, porém, que estão lendo esta pastoral e têm condição de estar presencialmente na igreja, mas sentem que algo espiritual ou psicossomático os impede, eu os encorajo com estas palavras: “Porque Deus não nos tem dado espírito de covardia, mas de poder, de amor e de moderação” (2 Tm 1:7); “No amor não existe medo; antes, o perfeito amor lança fora o medo. Ora, o medo produz tormento; logo, aquele que teme não é aperfeiçoado no amor” (1 Jo 4:18–19). “Alegrei-me quando me disseram: Vamos à casa do Senhor” (Sl 122:1).
Finalizo lembrando que, por um bom tempo, fomos convidados a ficar em casa. Agora, porém, quero convidar você a voltar para casa: a Casa do Pai!
No amor e no temor,
Rev. Israel Rocha