Um é o mundo dos felizes, outro é o mundo dos tristes. Um é o universo de quem padece dores, outro é o dos saudáveis. Um mesmo fato nunca é igual para todos. Cada um interpreta os acontecimentos a partir da perspectiva do seu universo, e é isso que faz com que muitas vezes estejamos tão perto de pessoas, e ao mesmo tempo tão longe delas. Davi e Mical compartilhavam do mesmo leito, mas viviam em mundos distintos. O rico e Lázaro estiveram sempre muito próximos fisicamente, mas um era o mundo do rico, outro o de Lázaro. O mundo que o irmão mais velho habitava certamente não era o mesmo do irmão pródigo, apesar de terem o mesmo pai e compartilharem a mesma casa.
Pessoas podem conviver próximas umas das outras, mas ainda assim estarem a anos-luz de distância. Cada um tem o seu mundo próprio, repleto de sonhos, desejos, possibilidades e valores, que lhe dá uma maneira única de interpretar a realidade à sua volta. Alguns possuem matizes de alma que abrangem um variado espectro de cores, e outros vivem aprisionados num empobrecido mundo pintado de cinza. Cada pessoa é um abismo e olhar para dentro delas causa vertigem. Por isso, quando perguntarem quem você é, a resposta não será o seu nome, profissão e RG. Você é a somatória de valores do seu mundo.
Assisti um filme tocante chamado “Mar Adentro” que conta a história de um tetraplégico, preso a uma cama, que desistiu de viver. Todos que se aproximaram dele para demovê-lo de seu intento de dar fim à vida não conseguiram jamais penetrar no seu universo, até que surge uma mulher que um dia ouviu sua história pelo rádio resolve conhecê-lo. A perspectiva daquele homem moribundo mudou, trouxe-lhe uma brisa refrescante, pois alguém conseguiu penetrar no seu mundo e entender sua dor.
Só quem tem empatia pode se identificar com outra pessoa, refletir sua alma e ter uma visão do outro sem julgamento ou censura. Carecemos em nosso meio evangélico de pessoas realmente empáticas, capazes de tocar o mundo hermético de cada indivíduo e ser capaz de amá-lo. Jesus nos ensina a olhar além das aparências, além do comportamento manifesto, além da doença que somos. Jesus olha para o mundo fragmentado do endemoninhado e pode ver ali um pai de família e um marido que ainda dará muita alegria aos seus. Aos rejeitados que vivem num mundo ausente de companheiros de viagem solidários, Jesus apresenta Sua companhia e lhe dá irmãos de verdade.
Como é bom encontrar pessoas que repartem do seu mundo conosco: a conversa é animada e sem cerimônias, o pensamento flui, a risada brota fácil. Não é justamente isso que procuramos nos irmãos, nos amigos? Não obstante, é muito difícil compartilhar mundos diferentes. De um lado podem não compreendê-lo, nem respeitá-lo. De outro, é preferível mantê-lo hermético para que não venha a ser ferido. É o caso do solitário que tem um mundo à parte, o qual procura manter à salvo. No fundo, revela certo egoísmo, pois “o solitário busca o seu próprio interesse” (Pv 18.1). Tão por perto, mas tão distante.
No início da era cristã havia uma clara separação entre judeus, gregos e gentios, enfim entre pessoas. Mas vem Jesus, derruba o muro da separação, e passa a ser Ele mesmo a ponte que une nossos mundos. Em Cristo, o distante se faz próximo, o estrangeiro é chamado de irmão. Bonhoeffer diz que não é possível haver nenhuma aproximação real entre pessoas se não passar por Cristo: “Todas as nossas tentativas de lançar uma ponte sobre o abismo que nos separa dos outros haverão de falhar”. Isso vale para todas as relações humanas, sejam de laços de sangue, com pai e mãe e irmãos, ou no amor conjugal.
Ser cristão é compartilhar de um mundo em que Cristo é o centro. Não me impressiono mais com nenhuma demonstração de proximidade do Todo Poderoso – seja choro, gemidos, línguas, ou qualquer forma de manifestação do tipo “peguei Deus”. Há muita gente escrevendo livros e fazendo encontros para ensinar como “caçar” o Eterno. Logo surgirão títulos tipo “Te Peguei” contando como o piedoso autor conseguiu tal façanha. Há muita gente tão perto de Deus – louvando, orando, comungando – mas tão longe. Quem só vê a face de Deus, mas não vê a face do outro, persegue uma miragem. O cristianismo está repleto de cristãos que enxergam miragens.
Foi a um fugitivo Jacó, afastado da família, conflitos inomináveis no peito, solitário no deserto, tendo somente a abóbada celeste como abrigo e um duro travesseiro de pedra, sim, foi ali onde Deus parecia tão distante, que Ele se mostrou tão perto. Numa experiência única em sua vida, ele diz com a voz trêmula: “Na verdade, o Senhor está neste lugar, e eu não o sabia. Quão temível é este lugar, Deus está aqui!” (Gn 28.16–17).
Quando sentimos nossa distância de Deus, choramos Sua ausência, não temos forças para orar, o vazio do deserto no coração e um turbilhão de sentimentos contraditórios na alma, é justamente aí que o Senhor estará tão perto como nunca esteve. Tão longe, mas tão próximo.
Vai se acostumando: às vezes quem está perto está longe, e o que está distante se faz presente ao nosso lado.
Pr. Daniel Rocha