Quem lê o livro de Levítico no seu capítulo 11 se depara com uma lista de animais considerados puros e outros considerados imundos por Deus. Se for quadrúpede, tem unhas fendidas e rumina, pode comer. Coelho rumina, mas não tem unha fendida – então não pode comer; o porco tem unha fendida, mas não rumina – é imundo.
De tudo o que tem na água é limpo para Javé se tiver barbatanas e escamas; sardinha, salmão e o delicioso bacalhau têm; mexilhão, lula, marisco e lagosta, estão fora.
As aves de rapina são imundas porque são carniceiras; mas o avestruz não é, embora seja classificado por Deus como imundo, mesmo tendo uma carne de sabor delicioso.
Como se vê, nem tudo se explica pelo fator higiene. Philip Yancey no seu livro “Maravilhosa Graça” traz uma interessante explicação. Para ele, uma das hipóteses porque Deus “não gosta” do camarão, coelho ou avestruz talvez seja a da “anomalia”, isto é, se vive na água precisa nadar e ter escamas – o siri a lula e a lagosta não têm. Se for ave precisa voar, a ema, o avestruz não voa; se for ruminante precisa ter o casco fendido como o boi, mas a lebre e coelho não possuem.
Ainda no livro de Levítico, no capítulo 21 encontramos não uma lista de animais, mas de pessoas que não podem ministrar como sacerdotes diante do Senhor: se for cego ou coxo, rosto mutilado, pé ou mãos quebrados, corcunda, anão, ou que tiver “testículo quebrado” (Lv 21.18–20).
Por que isso? Mais uma vez a explicação parece ser a “anomalia”, a excentricidade, a estranheza, o ser estrambótico.
Vejo como “esquisitos” todos que de alguma forma possuem alguma diferença, detalhe, “defeito”, e que por conta disso faz com que tenham alguma inadequação com o mundo.
Felizmente Jesus veio para mudar os olhos de Deus para conosco. Se lá no Antigo Testamento Javé aceitava somente o animal sem defeito, e exigia a perfeição e a limpeza de tudo que Lhe era oferecido, agora, Jesus é aquele que fez defeito por nós, é aquele que purifica nossa imundície, e nos apresenta diante do Altar como oferta agradável a Deus. Ousaria dizer que todos nós podemos ser classificados, em uma ou outra coisa, como esquisitos – mas a vida tem mostrado que Jesus nos ama mesmo assim.
Jesus não só aceita os “defeituosos”, mas também os evangeliza, limpa, restitui a dignidade, capacita e os envia. Foi assim com o endemoninhado, a mulher samaritana, foi assim com o etíope eunuco (sem testículos), que Filipe evangeliza e possivelmente tornou-se o primeiro missionário na África. A um Pedro, recém convertido do judaísmo, cheio dos melindres das leis judaicas, Deus desce um lençol do céu com todos os animais imundo e lhe diz: “Pedro, mata e come”!. Diante da recusa, o Senhor lhe diz: “não considere imundo aquilo que o Senhor purificou”.
Num certo sentido todo cristão é esquisito e parece inadequado no mundo. Aliás, neste mundo pós-moderno, falar todos os dias com uma Pessoa invisível, ser um cristão fiel, praticar o bem, ser honesto e defender uma vida ética é algo tremendo esquisito – coisa de louco mesmo.
Pr, Daniel Rocha