“Por isso, não desfalecemos, mas, ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o interior, contudo, se renova de dia em dia… não atentando nós nas coisas que se vêem; porque as que se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas” (2Co 4.16–18)
A menina ao lado foi fotografada num campo de refugiados, depois de ter perdido seus pais num bombardeio soviético aos afegãos. A foto foi tirada em 1984, quando ela tinha 12 anos e tornou-se a capa mais famosa da história da revista National Geographic.
O fotógrafo Steve Curry, autor da foto, tentou em vão encontrá-la sucessivas vezes nos anos seguintes, mas todas as tentativas foram frustradas. Pessoas do mundo inteiro lhe telefonavam para adotá-la, dar-lhe dinheiro e até mesmo havia homens que desejavam casar-se com ela.
Somente em 2002 uma expedição da revista conseguiu localizar aquela menina afegã, cuja identidade ficou desconhecida por todo esse tempo. Agora com 30 anos, Sharbat Gula está casada e continua vivendo precariamente numa região remota do Afeganistão, mãe de três filhas. Ao ser encontrada, não sabia de sua fama, e lembrou-se do xale todo furado que a cobria na ocasião, pois fora queimado no fogão. O mundo, então, pôde ver a transformação de uma criança que viveu e cresceu em meio ao medo, lutas, miséria e abandono.
Dezoito anos depois a pequena Sharbat envelhecera mais do que os anos decorridos, mas ainda conservou traços de sua beleza infantil. Compare:
O que mais chama a atenção na primeira foto são seus dois grandes e penetrantes olhos verdes, limpos e cristalinos, que encaram a câmera com uma intensidade que causa impacto para quem olha, e quase dá para ver a alma dela.
Há uma ternura que emana de um rosto puro e isso nos fala profundamente, pois traz à lembrança que um dia fomos assim. Ela nos toca, independentemente da cultura que se vive. A foto é de uma beleza triste. E tudo que é belo fala de algo efêmero, que não se pode preservar nem deter.
Nascemos num mundo decaído e corrompido, nascemos em meio ao pecado e à sordidez. À medida que vivemos, a degradação se faz cada vez mais presente e mais visível. Não é por acaso que aquela turba de apedrejadores da mulher adúltera, ao serem confrontados por Jesus, cada um foi largando as pedras e saindo, “a começar pelos mais velhos até aos últimos”
(João 8.9). Qual a razão dessa ordem cronológica decrescente? É que à medida que envelhecemos os pecados se acumulam e se tornam mais evidentes.
Lembro-me de um canto muito simples – e infelizmente hoje não se faz mais cantos simples – onde o autor desejava apenas uma coisa: “Que a beleza de Cristo se veja em mim…”. Mas, infelizmente, cada dia que passa, o que fica mais claro é nossa “fealdade”. Não dá para disfarçar, nem esconder atrás de dons carismáticos, línguas, choros e orações gritadas, que muitas vezes são exibidas numa tentativa de negar uma realidade bem diferente. Hoje, muitos buscam o ufanismo das grandes concentrações, pois as vozes da multidão ajudam a encobrir o fracasso de suas vidas pessoais. São palavras ríspidas, ambição desmedida, mesquinhez, vaidades da alma… e a bela Sharbat Gula vai se desvanecendo.
Há muitos fatores que esvaecem a beleza: familiares, físicos, psicológicos, sociais… mas há um que nos desfigura: o pecado.
Há pessoas que foram tão sofridas na infância, que nem se lembram como eram, e as lembranças são “apagadas” da memória para que possam sobreviver. Homens como Hitler e Stalin, aparentemente tiveram uma infância normal, foram crianças que brincaram, sorriram… mas algo terrível destruiu neles toda beleza que portavam.
Algumas pessoas, mesmo a despeito de lutas e sofrimentos, conseguem manter ainda lampejos da beleza original – como se desenvolvessem anticorpos para o mundo. Outras são profundamente influenciadas pela rudeza da vida, e demonstram isso a cada suspiro, em cada gesto e palavra.
A pequena Sharbat, em sua visão juvenil, devia estar cheia de esperança quanto ao futuro, mas com o passar do tempo, ela foi se dissipando. É compreensível, pois “a esperança adiada entristece o coração” (Pv 13.12). Quantas crianças lindas, risonhas e festivas, olhos vívidos e curiosos, raciocínio rápido, tornaram-se adultos de olhos embaçados, rosto transtornado e mente confusa.
Onde está aquela criança? O que fizeram com ela? É possível trazê-la de volta? São perguntas difíceis de responder. Creio que Cristo veio justamente para isso.
Pegue um retrato de sua infância e identifique o que você perdeu: se foi o sorriso leve e gostoso, a espontaneidade, a afeição… Se porventura encontrar culpados, que seja para perdoá-los. Mas, principalmente, peça Àquele que restaura todas as coisas a mudar o seu retrato atual.
Pr. Daniel Rocha