“Então, caindo em si, disse: Quantos trabalhadores de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui morro de fome!” (Lc 15.17)
Há um aspecto na parábola do filho pródigo que divide a história em duas partes: antes e depois dele “cair em si”. Até então sua existência fora marcada por erros, por satisfação de impulsos, por decisões impensadas, e finalmente, por uma forma de vida degradante.
Quanto tempo ele levou para “cair em si”? Meses? Anos? Isso não importa, mas sim o fato que assim como ele, nós também às vezes levamos anos vivendo de uma maneira que em nada dignifica nosso ser, e sem consciência do que estamos fazendo. É como uma fita gravada que se repete à exaustão dizendo como temos de nos comportar.
Viver no automático nos impede de enxergar o que acontece à nossa volta. Viver no automático nos leva a um mundo de faz-de-conta, artificial, que nos impede de ver quem somos e para onde estamos indo. É um não se aperceber da vida. Às vezes a pessoa está descendo ladeira abaixo, mas não percebe, está se aniquilando aos poucos num círculo vicioso que se fecha cada vez mais, porém não se dá conta.
Quanto menos consciência temos de nós mesmos, mais afundamos. Não é por acaso que era exatamente isso que acontecia com o filho pródigo – literalmente ele “chafurdava na lama”. Ele foi perdendo os dotes dados pelo Pai, mas não percebia, foi perdendo os amigos, mas não se dava conta, foi perdendo a dignidade, mas ele não enxergava. Fico imaginando quanta gente está vivendo exatamente assim, não sendo responsável pela sua vida.
Creio que no fundo há sempre um medo de “enxergar” a real situação e ver a vida como ela é. Pois se eu enxergo eu sou obrigado a tomar uma posição, a me levantar, a buscar a dignidade. Em segundo lugar, há um “eu” presunçoso e orgulhoso demais para admitir que o seu modo de vida está errado, que tomou decisões equivocadas.
Às vezes me pergunto se é preciso que cheguemos às situações limites de perda e desesperança total para que “caia a ficha”. Infelizmente, essa tem sido a regra.
Há um detalhe importante: o filho pródigo “caiu em si”, mas o irmão mais velho não. Qual a razão? Somente quem admite os seus erros e reconhece o seu pecado cai em si. Quem se esconde atrás de uma máscara de santidade, de retidão e justiça própria está condenado a viver uma forma miserável de existência. Mas, paradoxalmente, quem cai em si sempre se levanta para uma nova vida e corre para o abraço do Pai. Quem cai em si jamais fica prostrado.
Pr. Daniel Rocha