“Portanto, eis que eu a atrairei, e a levarei para o deserto e lhe falarei ao coração” (Os 2.14)
Fico admirado de ver como Deus, depois de tirar o seu povo do Egito, os empurra literalmente para um “grande e terrível deserto” (Dt 1.19). Qual o propósito divino? Não seria melhor fazer um trajeto em linha reta do Egito para a terra prometida, sem escalas? Porque razão ficar vagando naquele deserto inóspito por toda uma geração?
No deserto não há segurança, a água é rara, a vegetação é escassa, é habitado por serpentes, chacais e bestas feras. E mesmo assim Deus insiste para que o seu povo passe por tal desolação. Afinal, muitos podem perguntar – Deus não ama o seu povo? Por que um Pai amoroso faria uma coisa dessas? Todavia, quer queiramos ou não, ainda hoje, Deus nos envia para esse lugar, pois há propósitos divinos que só o deserto poderá realizar.
A primeira razão do deserto em nossa vida é que Deus pretende deixar claro e patente aos nossos olhos o que vai dentro de nós. Só no deserto se revela o que habita no coração do homem.
Outro grande desafio que enfrentamos ali é o da murmuração. Os hebreus passaram boa parte do tempo no deserto murmurando: ora pela falta de conforto, ora pela água escassa, ou pelas batatas, carnes e cebolas. Se há algo que Deus não suporta ver é o seu povo murmurando.
Será que não tem sido também o nosso caso? Do que você tem murmurado ultimamente? Por levantar cedo? Por trabalhar demais? Por não arrumar um namorado? Por estar cansado dessa vida chata e monótona? A murmuração diária e constante é um buraco negro que suga toda nossa energia, rouba a alegria, e faz de nós pessoas adoentadas. Murmuração é a resposta manhosa e infantil que damos diante do que nos desagrada.
O deserto também desafia nossa fé. Os hebreus falaram contra Deus, dizendo: “Pode, acaso, Deus preparar-nos mesa no deserto?” (Sl 78.19). Intimamente, assim como eles, nós também duvidamos disso. Afinal, você quer algo mais absurdo para a nossa racionalidade que a visão de uma mesa repleta de frutas, leite, manjares e águas em pleno deserto?
Infelizmente, em nossa estreiteza mental nós condicionamos o poder divino às probabilidades matemáticas. Nossa fé costuma aumentar ou diminuir de acordo com as chances que algo tem de acontecer. Pergunto-me às vezes se Deus não está testando cada um de nós com a visão de uma mesa farta em pleno deserto para ver qual será a nossa reação: de espanto e incredulidade ou um olhar maravilhado das infinitas possibilidades que o Eterno nos proporciona?
O deserto nos é pavoroso porque ele nos leva a uma vida de dependência total de Deus, e no fundo tememos isso. Depender de Deus até para um simples gole d’água é demais para nós. Buscamos independência e auto-suficiência e não a sensação frágil de dependermos de Alguém – além do mais invisível. Entretanto, confiar nossa existência na dependência total Dele é tudo o que um Pai espera de nós. Independência de Deus é a tentação mais sutil que o diabo nos oferece.
Um outro desafio encontrado no deserto é o da solidão. Ah, como tememos ficar só. Como tememos o silêncio. Buscamos obsessivamente pessoas, companhias (mesmo que provoque brigas, intrigas, confusão), afinal, é melhor isso que estar sozinho.
Deus quer nos ensinar algo importante que pode nascer na solidão: a solitude. Solitude é um estado da mente e do coração. Enquanto solidão é medo e vazio, solitude é integridade interior. Na solidão somos controlados pelos outros, na solitude encontramos calma e equilíbrio, não tememos ficar sozinhos, aprendemos a ouvir melhor as pessoas e ganhamos liberdade.
O profeta Oséias afirma que Deus nos atrai para o deserto, pois é ali, onde estamos sozinhos, desamparados, que Ele falará ao nosso coração. Só posso amar o meu próximo a partir do momento que me conheço. E o verdadeiro conhecimento de mim mesmo nasce do relacionamento com Deus no deserto.
“Portanto, eis que eu a atrairei, e a levarei para o deserto e lhe falarei ao coração” (Os 2.14)
Pr. Daniel Rocha