“Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte não temerei mal nenhum porque Tu estás comigo; Tua vara e Teu cajado me consolam” (Salmo 23:4).
Em mais um início de ano, somos tomados por um sentimento de dor e profunda infelicidade; os episódios acontecidos em Brumadinho (MG) causam em nós um misto de revolta, indignação, dor e um sentimento de frustração muito grande. Esse “pacote” de sentimentos nos traz muita infelicidade. Mas o que é afinal isso? Como conviver com o oposto daquilo que almejamos e buscamos todos os dias?
A felicidade se tornou uma crença partilhada entre muitas pessoas; nestes tempos, o que mais encontramos nas redes sociais são pessoas “felizes”; há uma busca incessante pela felicidade, e isso é bom. Contudo, se você acredita que a felicidade deve, de preferência, estar presente o tempo todo, isso é preocupante, pois, ao passar por uma frustração, tristeza, angústia, decepção, medo ou ansiedade, você vai sentir um grande pavor, porque olhar para esses sentimentos como se fossem uma anomalia é desumanizar-se.
O Mestre Jesus chorou por um sentimento profundo de infelicidade, frustração e dor. Seu vale se tornou amargo. Pois bem, acreditar que esses sentimentos não nos pertencem, que estão onde não deveriam estar, é colocar-se na condição de super-homem/supermulher. O que sempre pertenceu à condição humana passa a ser uma doença e dessa forma passa a ser tratado.
É um percurso intrigante esse da felicidade, pois, para encontrá-la, deixamos os caminhos naturais da beleza, da poesia, da música, da dança, da adoração, do louvor, da comunhão íntima com Deus, para buscá-la em consultórios e em sessões infinitas de terapia. Nada contra a utilização desses recursos, mas nossa felicidade não será encontrada neles.
Pode parecer paradoxal, mas felicidade não é ausência de infelicidade. Esses sentimentos se permeiam, se pertencem, somos instantes e nos tempos de infelicidade edificamos alicerces de (re)construção. Felicidade demais faz mal, nos imobiliza para enxergarmos novos recomeços, nos mascara e, com isso, deixamos de interrogar os porquês e passamos a ignorar situações e acontecimentos que nos deixam infelizes; negamos o óbvio e passamos a tratar a infelicidade como patologia – deve ser “curada”, porque não faz parte de nossa humanidade.
Gosto de uma antiga canção que diz: “Buscar ao Senhor, eu buscarei e os pés da terra não tirarei. Louvar ao Senhor, eu louvarei, mas a visão do mundo não perderei. Como fechar os olhos a tão grande humilhação, se negam qualquer direito ao meu irmão, sabendo que o Senhor não vai nunca abandonar o povo que mesmo triste está a louvar!”. Aqui está uma grande possibilidade de seguir o caminho, não fechar os olhos e não tirar os pés do chão, condições essenciais para continuarmos caminhando em direção a novos projetos, novas posturas, empoderamento, atitudes construtoras de novas realidades.
O desafio hoje é encontrarmos quais são os vales pelos quais estamos passando. Creiam, para muitos irmãos e irmãs o vale do rio não é doce. Dessa forma, encontrar os instantes que nos fazem infelizes, encontrar o que talvez seja o mais importante – “os porquês da nossa infelicidade” – nos trará pistas de recriar, reconstruir, refazer, (re)começar de novo, acreditar que em Jesus podemos, apesar do nosso vale, fazer novas todas as coisas; acreditar que, convivendo um pouco com nossa infelicidade, teremos a oportunidade de deixar Deus tirar dos nossos olhos toda lágrima, de sermos consolados pelo Espírito Santo e de aceitarmos como Jesus Cristo nossa humanidade.
Termino então com um trecho de uma poesia de Vinicius de Moraes: “Tristeza não tem fim, felicidade sim. A felicidade é como a pluma que o vento vai levando pelo ar. Voa tão leve, mas tem a vida breve. Precisa que haja vento sem parar (…)”.
Até a volta!
Por Dílson Júlio Silva, teólogo, membro da Igreja Metodista em Itaberaba