A passagem de 2 Pedro 1:1–11 (sugiro que você a leia antes de prosseguir nesta reflexão) me faz pensar em duas coisas que considero fundamentais na vida cristã. A primeira é uma doutrina bíblica maravilhosa, que se tornou uma das mais importantes ênfases metodistas: a doutrina da santificação (veja os versos 5 a 9). A segunda é uma ordenança de Jesus e uma ênfase wesleyana, a qual, graças a Deus, tornou-se, nos últimos anos, uma ênfase no metodismo brasileiro: a dinâmica do discipulado.
O processo de santificação que nos ajuda a sair da infância espiritual em direção à maturidade cristã é impossível sem prestação de conta, sem compartilhamento, sem tutoria, enfim, sem discipulado (veja os versos 12 a 14, nos quais Pedro se coloca como tutor e discipulador daquele povo). Bem, deixe-me dar, primeiramente, uma definição de discipulado: “Discipulado é prática comunitária intencional das disciplinas espirituais, com o propósito do crescimento pessoal e da transformação do caráter de cada pessoa envolvida à semelhança do caráter de Cristo” (veja os versos 3 e 4). Dito isto, quero sugerir alguns elementos que considero importantes no discipulado:
1. Discipulado requer consistência e intencionalidade.
A obra de Deus em nós não acontece por acidente ou automaticamente. A obra de Deus acontece em nós quando disciplinamos nossa vontade e buscamos a plenitude de Deus em nossas vidas em todos os níveis. O apóstolo Pedro usa a palavra “diligência” (veja os versos 5 e 10). Eu tenho que chegar a um ponto em que eu venha a dizer: “Está bem, meu Deus, o Senhor venceu; cumpra-se a Tua vontade na minha vida; tira o que não está te agradando; eu quero ser mais como tu és”. Então, discipulado, antes de ser alguma coisa que eu faço com os outros, é algo que precisa acontecer na minha própria vida.
2. Discipulado requer que sejamos apaixonados pela obra de Deus.
Estou usando o termo “apaixonado”, aqui, como oposto a “apático”. As duas palavras têm a mesma raiz. Em vez de apático, eu preciso ser apaixonado pela obra de Deus, querer desesperadamente, querer mais do que tudo. Jesus contou duas parábolas ilustrando isso. Estão em Mateus 13:44–46: “O reino dos céus é semelhante a um tesouro oculto no campo, o qual certo homem, tendo‑o achado, escondeu. E, transbordante de alegria, vai, vende tudo o que tem e compra aquele campo. O reino dos céus é também semelhante a um que negocia e procura boas pérolas; e, tendo achado uma pérola de grande valor, vende tudo o que possui e a compra”. O que a gente vê aqui é que os dois homens venderam tudo o que tinham para conseguir o que eles queriam. Freqüentemente, eu ouço pessoas falando sobre o “custo do discipulado”, como se para me envolver em discipulado eu tivesse que perder muita coisa. Mas o que a gente percebe nessas parábolas é que esses homens que venderam tudo o que tinham não pensaram que estavam perdendo nada; eles pensaram que estavam ganhando algo que tinha muito mais valor do que tudo o que eles possuíam. Eles estavam felizes em vender o que tinham porque estavam ganhando algo de muito maior valor.
É como se você estivesse com fome e tivesse apenas um jiló pra comer. Aí Deus aparece e diz: “Dá-me esse jiló”. E a sua resposta é: “Não, esse jiló é meu. Eu estou com fome e vou comê-lo”. Você fica bravo por que Ele pede que você entregue o jiló. Mas o que você não entende é que Ele quer esvaziar suas mãos para que Ele possa colocar nelas um prato com picanha ao ponto.
C.S.Lewis pregou um sermão no qual fez a seguinte afirmação: “De fato, Deus considera os nossos desejos muito fracos. Nós nos enganamos com desejos de segunda classe, como ambição, sexo, fama, quando ele nos oferece alegria infinita. Assim como uma criança ignorante prefere ficar brincando numa piscina de um metro e meio, quando o pai quer levá-la para passar as férias na praia”. Deus quer que desejemos mais. Mais da vida, mais dele. Ele não quer tirar nada de nós, exceto nossas maldições, nossos vícios, nossos preconceitos, nossa ira. Lembra-se do que Jesus disse? “Assim, pois, todo aquele que dentre vós não renuncia a tudo quanto tem não pode ser meu discípulo.”
A única maneira de você renunciar a tudo o que tem é percebendo que tudo o que você tem não se compara nem de longe com aquilo que Deus quer dar a você.
3. Discipulado requer que haja em nós um desejo intenso de sermos usados por Deus.
O discipulado requer em nós o desejo de sermos parte de algo maior do que nós mesmos. Desejo de ter o privilégio (já que não é um direito) de sermos usados por Deus e identificados com o seu Reino (e não apenas com uma profissão). Desejo de darmos às nossas vidas uma dimensão eterna, descobrindo ou reavivando nossos dons e usando esses dons no Reino de Deus e para a glória de Deus, enquanto nos alegramos com os resultados.
Num tempo em que pessoas consideradas cristãs cedem a tentações, usam o dom que Deus lhes deu para a sua própria glória e exploram o povo de Deus, precisamos ser lembrados de que o discipulado não é uma escolha para o crente em Jesus. Discipulado é uma exigência para você e para mim.
Somos o melhor que podemos ser quando estamos sendo transformados pelo Espírito de Deus. E a vida é mais empolgante quando descobrimos a nossa realização em Deus e no chamado que Ele nos fez para sermos Seus discípulos e discípulas.
Bispo João Carlos Lopes,
presidente da 6ª. Região Eclesiástica