Você conhece ou convive com alguém que recebeu a pecha de ser uma “pessoa difícil”? Toda família ou turma de amigos tem o seu representante. Ele está presente em todos os lugares. Geralmente são geniosos, irritadiços, pusilânimes, mau-humorados, e de difícil relacionamento e convivência.
A igreja, por exemplo, é um celeiro de pessoas assim. Não há nenhuma surpresa nisto, posto que são pecadores arrependidos, que encontraram a Jesus, mas ainda estão brigando com suas contradições interiores e lutando contra a velha natureza.
A própria bíblia nos mostra uma variada gama de personagens que tiveram relacionamentos tempestuosos com gente “difícil”: a bela e sensata Abigail conviveu com o irascível Nabal [significa louco]. A serena e centrada Maria teve por irmã uma “ativíssima” e irritadiça Marta. Davi passou sua juventude ao lado de Saul, homem de temperamento violento e invejoso. Na parábola do filho pródigo, com certeza, o problemático era o rabugento e sorumbático irmão mais velho.
Um dos aspectos mais importantes da vida do cristão – e infelizmente um dos mais negligenciados – é o que diz respeito ao relacionamento interpessoal. Falamos muito em dons, bênçãos, oração, missão, louvor… e por vezes até somos bem sucedidos nestas áreas, mas quase sempre a um custo elevado da vida relacional.
Acostumamo-nos ver cristãos que passam horas na presença de Deus, lágrimas rolam-lhes pela face, sobem ao terceiro céu, têm visões de anjos… mas quando “descem” aqui pra Terra não conseguem conviver ou interagir com seus irmãos. Outros, vivem numa espiritualidade tão absorta em si mesmos que não fazem a menor questão de serem agradáveis ou amistosos. Lembro-me daquela menininha que orou:
“-Oh Deus, transforme as pessoas ruins em pessoas boas, e as pessoas boas em agradáveis”.
Muitos destes considerados “difíceis” são justamente cristãos operosos. Mas como é difícil o diálogo com eles, como é penoso falar-lhes… a gente precisa medir as palavras, ter mesuras, cuidados… Ou a intimidade com Deus se transforma em relacionamentos humanos frutuosos ou ela não passa de uma religiosidade oca, vazia e estéril.
Por outro lado, há os que são “difíceis” pelo temperamento [explosivo, melancólico, irritadiço, obsessivo…]. É fácil reconhece-los, pois estão sempre acuados, defendendo suas posições; qualquer palavra contrária às suas convicções é uma ameaça para eles. A atitude comum é sempre de autoproteção, de ensimesmamento.
Como agir com sabedoria quando Deus colocou em nosso meio pessoas com este perfil? Em primeiro lugar, devemos ser bênção para elas. A estas, devemos acolher, e não discutir: “acolhei ao que é débil na fé, não para discutir opiniões” (Rm 14.1). O forte deve saber calar e esperar.
Se ela age insensatamente (e provavelmente o faz) é preciso saber que “não adianta repreender o insensato, pois você só vai se aborrecer” (Pv 9.8). Sua fragilidade e o desejo de defender seus pontos de vista não permitirão ouvi-lo. Embora você possa ser sensato no falar, suas palavras jamais serão vistas como de sabedoria, mas de antagonismo. E aí você entrará num terreno pantanoso – o campo da discussão; adoram discutir, pois faz parte da estratégia de dissuasão e afastamento do outro.
O que fazer, então? Falar-lhe em amor, mas essencialmente saber esperar com paciência e longanimidade até que haja uma transformação pela renovação da sua mente. No ministério pastoral, por exemplo, estamos sempre esperando.
Precisamos abandonar a idéia de que “nós” vamos mudar os outros. Muito “casamento-missionário” fracassa porque um dos parceiros casa-se para converter ou mudar a outra pessoa. Não somos capazes de mudar ninguém. Não é obra nossa, mas do Espírito. A nós cabe vivermos tranqüila e mansamente e sermos para o mundo um paradigma de Cristo.
“Suportai-vos uns aos outros”, não significa uma tolerância a contragosto. Ao contrário, a idéia é de sermos suportes, colunas, para a deficiência do outro.
Num certo sentido, todos nós somos “difíceis”, dada a complexidade de nosso coração, as marcas indeléveis da vida e as defesas que erigimos para nos defender de um mundo hostil. O poeta Mário Quintana, tão bem reconheceu…
Por favor, não me analise
Não fique procurando cada ponto fraco meu.
Se ninguém resiste a uma análise profunda,
Quanto mais eu…
Ciumento, exigente, inseguro, carente
Todo cheio de marcas que a vida deixou
Mas que este reconhecimento não seja uma desculpa para permanecer no mesmo estado sempre. A luz que o Espírito emana em nosso interior é para lançar um facho sobre o emaranhado que há dentro de nós, e nos ajudar nesta caminhada de “descomplicar” a nossa vida. Que Deus nos ajude!
Pr. Daniel Rocha