Levados para o deserto

Por­tan­to, eis que eu a atrai­rei, e a leva­rei para o deser­to e lhe fala­rei ao cora­ção” (Os 2.14)

É de se admi­rar de ver como Deus, depois de tirar o seu povo do Egi­to, os empur­ra lite­ral­men­te para um “gran­de e ter­rí­vel deser­to”. Qual o pro­pó­si­to divi­no? Não seria melhor fazer um tra­je­to em linha reta do Egi­to para a Ter­ra Pro­me­ti­da, sem esca­las? Por­que razão ficar vagan­do naque­le deser­to inós­pi­to por toda uma geração?

No deser­to não há segu­ran­ça, a água é rara, a vege­ta­ção é escas­sa, é habi­ta­do por ser­pen­tes, cha­cais e bes­tas-feras. E mes­mo assim Deus insis­te para que o seu povo pas­se por tal deso­la­ção. Deus não ama o seu povo? Por que um Pai amo­ro­so faria uma coi­sa des­sas? Toda­via, quer quei­ra­mos ou não, ain­da hoje, Deus nos envia para esse lugar, pois há pro­pó­si­tos divi­nos que só o deser­to pode­rá realizar.

A pri­mei­ra razão do deser­to em nos­sa vida é que Deus pre­ten­de dei­xar cla­ro e paten­te aos nos­sos olhos o que vai den­tro de nós. Só no deser­to se reve­la o que habi­ta no cora­ção do homem: “Ele te gui­ou no deser­to para te humi­lhar, para te pro­var, para saber o que esta­va no teu cora­ção” (Dt 8.2).

Outro gran­de desa­fio que enfren­ta­mos ali é o da mur­mu­ra­ção. Os hebreus pas­sa­ram boa par­te do tem­po no deser­to mur­mu­ran­do: pela fal­ta de con­for­to, pela água escas­sa, ou pelas bata­tas, car­nes e cebo­las. Se há algo que Deus não supor­ta ver é o seu povo murmurando.

Será que não tem sido tam­bém o nos­so caso? Do que você tem mur­mu­ra­do ulti­ma­men­te? Por levan­tar cedo? Por tra­ba­lhar demais? Por não ter casa­do? Por ter casa­do? A mur­mu­ra­ção diá­ria e cons­tan­te é um “bura­co negro” que suga nos­sa ener­gia, rou­ba a ale­gria, e faz de nós pes­so­as ado­en­ta­das. Mur­mu­ra­ção é a res­pos­ta manho­sa e infan­til que damos dian­te do que nos desagrada.

O deser­to tam­bém desa­fia nos­sa fé. Os hebreus fala­ram con­tra Deus, dizen­do: “Pode, aca­so, Deus pre­pa­rar-nos mesa no deserto?”
(Sl 78.19). Inti­ma­men­te, assim como eles, nós tam­bém duvi­da­mos dis­so. Infe­liz­men­te, em nos­sa estrei­te­za men­tal, nós con­di­ci­o­na­mos o poder divi­no às probabilidades.

O deser­to nos é pavo­ro­so por­que nos leva a uma vida de depen­dên­cia total de Deus. Depen­der de Deus até para as coi­sas mais sim­ples é demais para nós. No fun­do, bus­ca­mos inde­pen­dên­cia e auto-sufi­ci­ên­cia e não a sen­sa­ção frá­gil de depen­der­mos de Alguém – além do mais Invi­sí­vel. Inde­pen­dên­cia de Deus é a ten­ta­ção mais sutil que o dia­bo nos oferece.

Um outro desa­fio encon­tra­do no deser­to é o da soli­dão. Como teme­mos ficar só. Como teme­mos o silên­cio. Bus­ca­mos obses­si­va­men­te pes­so­as, fes­tas, com­pa­nhi­as, ajuntamento…

Deus quer nos ensi­nar algo impor­tan­te que só pode nas­cer na soli­dão: a soli­tu­de. Soli­tu­de é um esta­do da men­te e do cora­ção. Enquan­to soli­dão é medo e vazio, soli­tu­de é inte­gri­da­de inte­ri­or. Na soli­dão somos con­tro­la­dos pelos outros, na soli­tu­de encon­tra­mos cal­ma e equi­lí­brio, não teme­mos ficar sozi­nhos, apren­de­mos a ouvir melhor as pes­so­as e ganha­mos liberdade.

O pro­fe­ta Oséi­as afir­ma que Deus nos atrai para o deser­to, pois é ali, onde esta­mos sozi­nhos, desam­pa­ra­dos, que Ele fala­rá ao nos­so cora­ção. Só pos­so amar o meu pró­xi­mo a par­tir do momen­to que me conhe­ço. E o ver­da­dei­ro conhe­ci­men­to do meu eu nas­ce do rela­ci­o­na­men­to com Deus no deserto.

Pr. Daniel Rocha

Pr. Dani­el Rocha

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