Viver uma espiritualidade que afirma conhecer a Deus esquecendo-se de quem vai ao seu lado ofende os céus. Buscarmos santidade afastando-nos do próximo acaba por distanciar-nos de Deus também.
Quem ainda não aprendeu a superar as rejeições sofridas no passado de alguma forma estará sempre brigando com os “fantasmas” de supostos agressores. Precisamos retornar a Deus, que nos cura, para que o nosso centro não esteja mais num ego rejeitado, mas no Senhor. A partir daí, as incompreensões sobre a nossa pessoa ou o que dizem ou pensam de nós já não adquire tanta importância.
Sofrer uma dor sozinho é bem diferente da dor sofrida ao lado de alguém. Daí a importância de uma vida em comunhão com a comunidade de fé. Às vezes nos faltam palavras, mas não é preciso falar nada, basta estar junto.
Talvez o abraço seja a melhor representação de amor que alguém pode oferecer. Foi assim com o filho pródigo, esfomeado, voltando pra casa. O seu pai o avista de longe, corre em sua direção, o abraça e o beija (Lc 15:20). Vemos Paulo descendo em direção ao jovem Êutico, que havia caído da janela e foi dado como morto. E o que ele faz? Inclinando-se sobre o outro, abraça‑o, devolvendo-lhe a vida (At 20:10).
Como reagiu a igreja diante da partida de Paulo, em Mileto? Entristecidos, o abraçaram afetuosamente e o beijaram (At 20:37).
Há gente que “espiritualiza” tanto a vida que, para eles, somente a oração já basta para demonstrar a alguém um pedido de perdão ou de amor. Entretanto, é preciso “tocar novamente” a pessoa. Assim foi o reencontro de Jacó com Esaú, que até então estava disposto a matar o próprio irmão. Mas, ao vê-lo, Esaú correu-lhe ao encontro e “o abraçou; arrojou-se-lhe ao pescoço e o beijou; e choraram” (Gn 33:4). Com certeza houve a cura para ambos de um passado de ódio e incompreensões.
O gesto do abraço afetuoso dispensa qualquer palavra.
Ter compaixão significa aproximar-se de quem sofre, enquanto ter dó sugere distância. Por diversas vezes, no Evangelho, Jesus demonstra compaixão. É uma palavra cuja raiz significa “sofrer com”.
Levar as cargas uns dos outros (Gl 6:2) não é tarefa fácil, pois interfere no nosso comodismo e nos torna responsáveis por mais alguém além de nós mesmos. Quem está disposto a isso?
As maiores demonstrações de narcisismo e egocentrismo não estão apenas nas passarelas da moda, mas, por incrível que pareça, se apresentam também nos grandes ajuntamentos de fé dos que vão buscar a “sorte grande” com Deus. Ali, cada um só olha para si e não tem o menor interesse em viver uma vida de comunhão (koinonia) com aqueles que o rodeiam. A palavra de ordem é: “Eu quero o meu”!
Alguém certa vez escreveu:
“Viver no céu com os irmãos, ó que glória!
Viver na Terra com eles… bem, aí é outra história”.
Desconfio que quem não souber viver com o outro aqui na Terra não está preparado para viver com ninguém no céu.
Conta-se que, certa noite, sob uma forte nevasca, um padre plantonista ouviu alguém bater à porta da sede da Missão dos Órfãos, em Washington, nos EUA. Ao abri-la, ele se deparou com um menino coberto de neve, com poucas roupas, trazendo nas costas outro menino, mais novo. O frio e a miséria dos dois comoveram o padre. O sacerdote mandou-os entrar e exclamou: “Ele deve ser muito pesado”. Mas o que carregava o outro disse: Ele não pesa, ele é meu irmão (He ain’t heavy, he is my brother). Não eram irmãos de sangue, realmente. Eram irmãos da rua.
Há uma versão, não sei se verdadeira, de que a composição eternizada pelo grupo The Hollies teve como inspiração esse fato. Mas o que importa é a lição que isso nos traz: “Ele não é pesado, ele é meu irmão”. Talvez devêssemos chorar nossa falta de paciência com nossos irmãos.
Um dia, Jesus propôs uma troca para mim. Ele viu minha situação, meu cansaço, e me disse: “Venha até mim, você que está cansado, deixe a sua carga aqui, junto à cruz, e pegue o meu fardo”. A princípio, relutei, mas, como não tinha nada a perder, acabei aceitando. Hoje, estou aprendendo a caminhar com o peso que Ele colocou sobre minha vida. Surpreendentemente, descobri que é mais leve do que aquele que eu carregava.
Pesado é viver egoisticamente para si. Dureza é tentar satisfazer compulsivamente um ego insaciável. Problema é olhar com obsessão para o próprio umbigo, preocupando-se com cada ruga, cada dorzinha que surge, com seu dinheiro, com seu descanso…
Não é de se admirar estarmos vivendo tempos de tantos distúrbios da alma.
Troque o seu fardo também. O que Deus quer te dar não é pesado. É o seu irmão!
Por Daniel Rocha,
pastor da IM Central em Santo André