No final de seu ministério, e já caminhando para o desfecho na cruz, Jesus preveniu a Pedro que ele haveria de traí-lo: “Em verdade em verdade te digo que jamais cantará o galo antes que me negues três vezes” (Jo 13.38). Ou seja, Jesus sabia de antemão que Pedro o negaria num momento tão crucial. Mas o mais surpreendente é que o Mestre nada fez para impedir. Não orou para que o Pai mudasse essa disposição interior do discípulo, não foi conversar com ele a sós para demovê-lo da traição, nem quis chamá-lo de lado para dizer-lhe: “Olha, filho, não faça isso…”. Mesmo conhecendo que o apóstolo haveria de errar, se absteve de “consertá-lo”! Jesus tinha poderes para isso, mas se o fizesse não teria ajudado Pedro a ser a pessoa que precisava ser.
Há certas coisas que teremos de passar para aprender. Há certas coisas que o coração só muda e só é transformado se passar por tal e tal situação. Deus não vai ficar plantando artificialmente “sentimentozinhos” nem “bondadezinhas”, em pessoas que precisam aprender pela rudeza da vida, e aprender de tal forma que fique gravado no seu interior, como parte indissociável de si mesmo.
Jesus compreende o erro no amor. Os homens não! É comum ouvirmos: “Se ele me amasse jamais faria o que fez” (na verdade, está cobrando infalibilidade do amor do outro). Ou então: “Como poderei confiar novamente em você?” típico de quem não está disposto a dar uma segunda chance (Paulo agiu assim com João Marcos ao impedi-lo de ir para uma outra viagem, mas felizmente havia um Barnabé para trazê-lo de volta ao caminho do amor).
Há ainda quem defenda: “É preciso colocá-lo sob disciplina de um conselheiro espiritual”, imaginando que se pode forjar um coração amoroso pela coação.
Será possível imaginar um Jesus todo ressentido perguntando a Pedro: “Como você pôde fazer isso comigo?”.
Não, Jesus não diz nada disso, apenas pergunta: “Pedro, tu me amas?”
Jesus sabe que haveremos de negá-lo, seremos indiferentes algumas vezes, egoístas, contraditórios, mesquinhos, capazes de trair, de errar… Jesus não busca a “perfeição” de quem não erra, mas busca pessoas que conheçam suas fraquezas, suas dubiedades, que tenham um pouco de amor, ainda que incipiente, porém o suficiente para ser aperfeiçoado.
“Pedro, tu me amas?” O apóstolo, antes cheio de certezas e convicções sobre seus sentimentos com relação a Cristo, é confrontado com a sua fragilidade e incapacidade de amar.
Sinceramente, duvido de toda declaração de amor incondicional a Deus quando é fruto de uma paixão impetuosa, ou de uma visão romântica da vida cristã. Sobre o palco ou sobre o altar nossos lábios falam com facilidade palavras de amor e juras de fidelidade a Deus. Mas, assim como Pedro, é diante da fogueira (Jo 18.18) e das circunstâncias adversas que vamos dizer uma, duas, três vezes: “não conheço tal homem”.
Também questiono seriamente igrejas que ameaçam suas ovelhas com o “fogo exterminador”, por terem errado, desviado, caído ou transgredido. Na verdade Deus pode estar permitindo a queda para dali nascer uma pessoa experiente, madura, bem centrada, que reconhece suas fraquezas.
O seu amor foi colocado à prova e falhou? Você tem negado a Cristo por suas atitudes? Lembre-se que Pedro não se mostrou indiferente ao erro, mas “chorou amargamente” (Lc 22.62). Não é o choro inútil do remorso, mas do arrependimento sincero. Ao contrário de Judas, que ficou preso ao seu remorso, Pedro pôde dizer: “Senhor, tu sabes todas as coisas, tu sabes que eu te amo” (Jo 21.17).
Que seja assim também tuas palavras.
Pr. Daniel Rocha