Carta de amor pra você

Levan­ta-te, que­ri­da minha, for­mo­sa minha, e vem.
Por­que eis que pas­sou o inver­no, ces­sou a chu­va e sei foi;
Apa­re­cem as flo­res na terra,
Che­gou o tem­po de can­ta­rem as aves…
A figuei­ra come­çou a dar seus figos,
E as vides em flor exa­lam o seu aroma;
Levan­ta-te, que­ri­da minha, for­mo­sa minha, e vem.
Pom­ba minha, que andas pelas fen­das dos penhascos,
No escon­de­ri­jo das rochas escarpadas,
Mos­tra-me o teu rosto,
Faze-me ouvir a tua voz,
Por­que a tua voz é doce,
E o teu ros­to, amável
(Can­ta­res 2.10–14)

Defi­ni­ti­va­men­te, a expres­são de sen­ti­men­tos ter­nos que nos reme­tem a uma atmos­fe­ra aci­ma da rea­li­da­de pro­sai­ca e coti­di­a­na, não está em alta. A exal­ta­ção do amor, a ter­nu­ra, as pala­vras amá­veis, a deli­ca­de­za e a sen­si­bi­li­da­de pare­cem não ter lugar no mun­do prag­má­ti­co em que vive­mos. Mas, para quem ain­da não se dei­xou embru­te­cer, sem­pre have­rá lugar para o amor.

Os ver­sos aci­ma são de Salo­mão à jovem sula­mi­ta. Há em suas pala­vras deli­ca­de­za, con­si­de­ra­ção, e um dese­jo de com­par­ti­lhar jun­to com a ama­da uma nova fase da vida – a pri­ma­ve­ra — que está che­gan­do após um perío­do difí­cil – o inver­no. Pare­ce-me que não ape­nas a natu­re­za, mas tam­bém a vida huma­na é mar­ca­da por inten­sos perío­dos, quer de riso, quer de pran­to, quer de afas­tar-se de abra­çar quan­to de bus­car o abra­çar, como o pró­prio Salo­mão já escre­ve­ra em Eclesiastes.

As pala­vras de Salo­mão expres­sam um amor cáli­do, arre­ba­ta­dor, dese­jo­so de tirar a sua ama­da do escon­de­ri­jo e viver com ela mais que uma his­tó­ria de amor, mas uma vida com­par­ti­lha­da, mar­ca­da pelo res­pei­to e con­si­de­ra­ção um pelo outro.

É impos­sí­vel não enxer­gar nas pala­vras amo­ro­sas do rei a voz arden­te de Jesus pro­cu­ran­do atrair o amor de sua noi­va, a Igre­ja. Por toda his­tó­ria da sal­va­ção vemos Deus atrain­do o seu povo a Si. À épo­ca do pro­fe­ta Oséi­as a noi­va esco­lhi­da “andou atrás de seus aman­tes, mas de Mim se esque­ceu” dis­se o Senhor. Entre­tan­to, Ele não desis­te por­que irá insis­tir: “eis que eu a atrai­rei, e a leva­rei para o deser­to, e lhe fala­rei ao cora­ção” (Os 2.14). Mes­mo ten­do se “pros­ti­tuí­do” com outros deu­ses, o Senhor não a des­pre­za, mas a atrai, levando‑a ao deser­to, para lhe falar de seu amor.

Sem­pre me intri­gou o fato de entre tan­tos povos e nações Deus ter esco­lhi­do jus­ta­men­te a Isra­el. Só fui encon­trar res­pos­ta quan­do com­pre­en­di que quan­do Deus ama a úni­ca razão pelo que Ele o faz é por sua sobe­ra­na esco­lha e deci­são, inde­pen­den­te­men­te de nos­sa bele­za, fide­li­da­de ou atra­ti­vo. Moi­sés expli­ca que “o Senhor te esco­lheu para que lhe fos­ses o seu povo, de todos os povos que há sobre a ter­ra. Não vos teve o Senhor afei­ção nem vos esco­lheu por­que fôs­seis mais nume­ro­sos do que qual­quer povo, pois éreis o menor de todos os povos, mas por­que o Senhor vos ama­va” (Dt 7.6–8). É sim­ples: Deus nos ama por­que nos ama, por­que assim deci­diu. Amar não é só sen­ti­men­to, mas é tam­bém decisão!

No poe­ma em Can­ta­res há uma níti­da inten­ção do noi­vo em demons­trar à noi­va o seu amor, exortando‑a a levan­tar-se, a sair da posi­ção defen­si­va de uma pom­ba que se escon­de por entre as fen­das das rochas.

Sim, há um fechar-se nos­so para com Deus, um fechar-se egoís­ta, teme­ro­so. Amar é doar-se, por isso quem não está mui­to cer­to do seu amor, escon­de-se nas fen­das. Quem está inse­gu­ro quan­to ao que sen­te, mos­tra-se dis­tan­ci­a­do, arre­dio. Não é exa­ta­men­te isso que acon­te­ce quan­do Deus nos cha­ma à comu­nhão, à ora­ção, à inti­mi­da­de? Freqüen­te­men­te temos outros inte­res­ses e outras coi­sas para pen­sar, e o cora­ção não con­se­gue “fixar-se” em Deus. Amar é dese­jar uma só coisa!

Deus sabe que o amor do seu povo “é como o orva­lho da manhã, que cedo pas­sa”. Mas Ele não desis­te, insis­te, cha­ma, sonha, apre­sen­ta as pos­si­bi­li­da­des: há as flo­res, os pás­sa­ros, as videi­ras, os aro­mas… sim, vamos apro­vei­tá-los jun­tos. Diz tam­bém o noi­vo: “faze-me ouvir a tua voz, por­que a tua voz é doce”. A voz do povo de Deus Lhe é agra­dá­vel, por isso espe­ra tan­to ouvir os lou­vo­res e as orações.

O amor de Cris­to nos cons­tran­ge. Como esque­cê-lo? Como lhe ficar indi­fe­ren­te? O amor de Deus nos atrai: “atraí-os com cor­das huma­nas, com laços de amor” (Os 11.4). Laços de amor… você não é obri­ga­do a ficar se não qui­ser, não há cobran­ças, não há chan­ta­gens, não há ame­a­ças, só amor. Quem ama é livre e per­mi­te que o outro tam­bém seja.

Pr. Daniel Rocha

Pr. Dani­el Rocha

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