No último dia 2 de novembro, a Igreja Católica Apostólica Romana celebrou o Dia dos Fiéis Defuntos, Dia de Finados ou Dia dos Mortos. Desde o século II, alguns cristãos rezavam pelos falecidos, visitando os túmulos dos mártires para pedir pelos que morreram. No século V, a Igreja Romana orientava seus fiéis a dedicar um dia do ano para rezar por todos os mortos, pelos quais ninguém rezava e dos quais ninguém se lembrava.
Em 2 de novembro de 998, o abade francês Odilo de Cluny sugeriu aos monges de sua abadia que todo ano, naquela data, passassem a dedicar suas orações à alma daqueles que já haviam partido. A data foi escolhida por ser o dia seguinte à Festa de Todos os Santos. A partir dessa iniciativa, os papas Silvestre II (1003), João XVII (1009) e Leão IX (1015) decretaram a celebração dos mortos a toda a comunidade católica do mundo. Mas a data só foi oficializada no século XIII.
Contudo, rezar ou interceder pela alma de quem já morreu deveria ser no mínimo contraditório para nós cristãos. Isso porque a lógica por trás dessa prática é a de que quem reza contribui para que quem morreu em pecado alcance sua salvação. Entre outros problemas, essa noção de que por meio da nossa intercessão favorecemos a salvação de quem está morto anula a graça, o juízo e a soberania de Deus. Ou seja, o mérito da salvação passa a estar na intercessão, e não no amor incondicional de Deus.
A comemoração do dia 2 de novembro é duplamente triste: primeiro, porque, para a grande maioria das pessoas, reviver a lembrança da perda de um ente querido é algo muito doloroso; e, segundo, porque rezar ou esforçar-se por quem já morreu não altera em absolutamente nada a sua condição.
Como cristãos, somos chamados a celebrar a vida no seu sentido mais amplo e profundo; celebramos a vida como antítese da morte; celebramos a vida depois da morte; celebramos a vitória da vida sobre a morte. No meu entender, a melhor definição de salvação está na expressão paulina de que a morte foi tragada na vitória que Jesus conquistou na cruz do Calvário e foi anunciada ao terceiro dia!
Por meio de Cristo, a condição absoluta da morte foi relativizada, pois Jesus disse: “Aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11:25). Que coisa extraordinária: “Ainda que morra, viverá”! Parece-me que esta declaração é um prenúncio daquilo por que todos nós vamos passar, pois, por meio de Jesus, todos nós iremos ressuscitar. Apesar de tanta desesperança à nossa volta, conseguimos continuar acreditando, porque a realidade que mais nos intimida, que é a morte, foi superada pelo sacrifício de Cristo na cruz. Ora, se a única coisa que nos limitava foi vencida, podemos ter esperança de que qualquer coisa pode ser superada. Se, por um lado, o amor de Deus é radical, Sua justiça também o é. Deus nos deu todas as condições para sermos salvos, para nos livrar da morte, mas precisamos querer vivenciar essa experiência em vida. Contudo, não podemos nos esquecer de que o amor e a justiça são d’Ele; portanto, quem salva é Ele!
Que obra maravilhosa e grandiosa Jesus fez por nós! Ainda que o corpo físico seja tragado, o testemunho, o exemplo, a história de quem amamos sempre estarão vivos dentro de nós. Mais do que isso, continuamos a viver espiritualmente no Senhor e um dia ressuscitaremos todos com Cristo e celebraremos eternamente a vida concedida por Deus!
Que nesses dias possamos focar e celebrar a vida e assim crer juntos que os sonhos e planos que morreram ou ficaram pelo caminho podem ser revivificados pelo poder da cruz. Servimos ao Deus da vida – da vida aqui e da vida além. O Senhor pode ressuscitar nossa esperança, nossa alegria, nossa fé, pois Ele quer que tenhamos uma vida abundante hoje e, mesmo quando a morte vier, continuaremos a viver com Ele para sempre!
Do amigo e pastor
Rev. Tiago Valentin