Aprender algo novo é sempre um desafio. Desde o nascimento somos levados por uma curiosidade de descobrir cada vez mais desse mundo. É maravilhoso observar a capacidade do ser humano de resolver problemas, aprender novas línguas, ou realizar um difícil passo de dança.
A criança vai à escola para estudar, o jovem à faculdade para adquirir conhecimento e… não se espante: o cristão se converte para desaprender. Ao enveredar pelo caminho da fé, a primeira coisa necessária é abrir mão da bagagem anterior.
Quando me volto para Cristo, sou convidado a me despir dos conceitos e dos embasamentos recebidos. É um processo de desaprendizado. No Reino do Pai, tão importante quanto o aprender é o desaprender, pois se isso não acontecer, tudo o que entrar na alma será visto, analisado e digerido por um esquema mental reprovável.
Quem não desaprende a ambição que o dominava antes de se converter, agora usará Deus para atingir seus antigos propósitos. Quem não se dessensibiliza do desejo de dominar pessoas, se valerá agora do evangelho para ter à sua volta asseclas que lhe prestam louvor. O jovem que ainda está impregnado dos gostos adquiridos quando vivia sem Cristo, e não desaprendeu deles, prefere o “show gospel” ao culto a Deus, pois ali pode se encontrar com suas antigas vontades.
Não consigo imaginar Deus falando e ensinando a alguém sem que primeiro ele suspenda seu conhecimento prévio, sem que primeiro não se faça silêncio na alma. Rubem Alves diz que sempre vê nos jornais anúncios de cursos de oratória, mas nunca viu anunciado um “curso de escutatória”. Para ele, “todo mundo quer aprender a falar, mas ninguém quer aprender a ouvir”, pois silenciar é complicado demais.
Somente na quietude da alma que alguém sabe que nada sabe. Em Cristo, não quero saber nada do que sabia, não quero ir até ele com meus pré-conceitos, com minha incipiente e ridícula sapiência. Quero material novo, quero uma lufada de ar fresco, quero estar vazio para ser cheio. E para encher-me do Espírito a pré-condição é estar vazio. Há muita gente cheia de si, cheia de ego transbordando de vãs teologias, cheia de vozes que falam e falam o tempo todo, como se fossem uma legião (até creio que essa é a nova forma de endemoninhamento do séc. I).
Aos recém-convertidos, que chegam à igreja com sua bagagem de crenças e tradições carregadas de religiosidade popular, conceitos esotéricos, enganos e sofismas, costumo dizer-lhes: “agora que decidiram viver pela fé, deixem em suspenso o que vocês sabiam e tão somente permitam-se livrar-se da velha bagagem…”
No Reino de Deus é essencial desaprender a ver. Olhos cansados e olhos acostumados são incapazes de enxergar o que Deus coloca à sua frente, pois estão condicionados a perceber somente aquilo que lhe ensinaram a ver: “Tu vês muitas cousas, mas não as observas” (Is 42.20). Quem não desaprende a ver, continuará a ser sempre um cego.
É preciso desaprender esse simulacro de evangelho berrado nas rádios e TVs, e ter a coragem de abrir as páginas do verdadeiro Evangelho para mergulhar nelas com a mente vazia, livre de todo “trash” gospel, e ali encontrar Cristo de primeira mão.
É preciso desaprender a responder às situações adversas com o repertório do velho homem, que invariavelmente explode, magoa ou sai magoado.
Para ser feliz, é preciso também desaprender a amar. O velho amor do controle sobre o outro, o velho amor dos joguinhos emocionais, o amor que é pura carência afetiva que só vicia, desaprender o amor dos relacionamentos distorcidos e da subjugação do mais fraco pelo mais forte.
Enquanto queremos manter e preservar, Deus quer desconstruir, dessensibilizar e desatar. Desaprender é uma arte, e são poucos que se destacam nela.
Pr. Daniel Rocha