A palavra “apneia” deriva do grego ápnoia, que, simplificadamente, significa “não respiração” – privação voluntária de respirar. Hoje, essa palavra expressa também uma modalidade desportiva – o mergulho em apneia, no qual ocorre a imersão na água sem a utilização de equipamentos para respiração. Um atleta que pratica apneia abre mão voluntariamente de respirar, a fim de alcançar profundidades cada vez maiores e, assim, vencer a sua própria natureza, que depende de oxigênio para viver. Esse não é um esporte para qualquer um. Renunciar ao ar exige treino, investimento e dedicação, pois, para se atingir grandes profundidades, é preciso utilizar todo o oxigênio já armazenado nos pulmões.
Por mais perigoso e insano que pareça ser, esse esporte pode nos proporcionar belas lições espirituais. Quando olhamos para Jesus, podemos supor que sua atitude de entrega também teria sido, de certa forma, irracional. Afinal, quem hoje morreria em favor de outra pessoa? Quem abriria mão do seu próprio ar por amor ao outro? O mergulho em apneia pode nos ensinar muito sobre renúncia e vida; pode nos fazer refletir sobre aquilo que já temos (vida, ar, oxigênio) e em como podemos partilhar o que já nos foi dado.
No Evangelho de Mateus, encontramos algumas palavras de Jesus que corroboram a ideia de apneia como renúncia: “Então, disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. Porquanto, quem quiser salvar a sua vida perdê-la‑á; e quem perder a vida por minha causa achá-la‑á.” (Mt 16:24–25). Negar-se a si mesmo é uma apneia voluntária. É entregar-se conscientemente a Deus a fim de viver em conformidade com a Sua vontade. Uma apneia espiritual seria então aprender a abrir mão da nossa vontade para viver em obediência à vontade do Pai.
Temos falado pouco sobre renúncia nos dias de hoje. É mais fácil falar daquilo que entendemos ser “nosso”. Mas o Evangelho de Jesus é todo ele pautado em renúncia. Cristo abriu mão da Sua glória, tornando-Se um simples homem, sujeito às mesmas dores e enfermidades que nós. Abriu mão da Sua própria vida para que n’Ele fosse colocada toda a culpa e todo o pecado que estava sobre nós. Não seria justo, portanto, que a nossa atitude para com Deus e para com o nosso próximo fosse também de renúncia? De entrega? De uma apneia voluntária? (Entenda-se apneia aqui como a renúncia ao ar, à vida, em favor do nosso próximo.)
Jesus nos ensinou a “tomar a nossa cruz”, ou seja, a tomar o oxigênio que já temos em nossos pulmões; em outras palavras, oferecer ao outro todo o dom da vida que já possuímos. Todos nós temos algo a oferecer. A cruz aqui, portanto, deixa de ser um símbolo de sofrimento e passa a ser um sinal de doação. Quando olhamos para a cruz, não enxergamos dor, mas, sim, ressurreição. Tomar a sua cruz, então, não seria enxergar a oportunidade de promover vida por meio daquela que já me foi dada? Doar-me ao outro por meio dos talentos que já possuo?
Você pode estar se perguntando como isso ocorre de forma concreta. E eu respondo. Eu tomo a minha cruz e sigo a Jesus quando possuo uma linda voz e canto para alguém que está agoniado. Eu tomo a minha cruz e sigo a Jesus quando sou um(a) exímio(a) cozinheiro(a), faço um bolo e o levo para alguém que está necessitando de uma visita e de um afago. Eu tomo a minha cruz e sigo a Jesus quando visito alguém que está enfermo. Eu tomo a minha cruz e sigo a Jesus quando compartilho os conhecimentos e habilidades que eu tenho, capacitando o outro. Por fim, eu tomo a minha cruz e sigo a Jesus quando pratico uma apneia espiritual, abrindo mão voluntariamente da minha vida, do ar que eu respiro, do meu tempo, da minha dedicação em favor de alguém que precise de mim.
Da mesma forma que um mergulhador em apneia se alegra quando alcança grandes profundidades apenas com o ar que já se encontra em seus pulmões, que você também possa se alegrar em fazer parte de uma igreja (de uma família, de um grupo de pessoas) em que você pode contribuir com sua vida, dons e talentos, sendo essa a verdadeira renúncia que Jesus nos ensinou: servirmos uns aos outros.
Com carinho e saudades,
Pra. Laura Valentin