Há uma forma triste de se viver:
é quando passamos uma boa parte do nosso tempo se lamentando:
… se eu tivesse casado com “aquele” namorado;
… se eu não tivesse casado;
… se meu pai fosse rico;
… se reconhecessem o meu valor;
… se meu cabelo fosse bonito;
… se eu falasse em línguas;
… se eu tivesse a voz da Cassiane…
… Ah, se tudo fosse diferente eu viveria melhor, eu teria mais fé, eu seria o homem (ou a mulher) mais feliz do mundo!
E a felicidade passa então a ser um lugar onde nunca estamos e precisamos alcançar. Aí sonhamos: quando eu sair de casa… quando nascerem os filhos… quando eu for rico… quando eu receber o batismo no Espírito Santo… quando eu mudar para uma igreja de poder… Essas são as fantasias infantis de que a felicidade sempre está onde não eu não estou.
Gosto muito da frase do teólogo Reinhold Niebuhr que com muita propriedade pede a Deus:
“Senhor, dai-me a serenidade para aceitar o que não pode ser mudado; coragem para mudar o que pode ser mudado; e sabedoria para distinguir uma coisa da outra”.
Aí está a sabedoria que vem do alto, ou seja, saber discernir as coisas que podem e devem ser mudadas e ao mesmo tempo reconhecer que há coisas que haveremos de sofrer – e saber tirar o maior proveito possível da bênção da limitação.
Numa época que vivemos de busca de transbordamento, o cristão há de perceber a bênção a ser encontrada na limitação, na solidão, na incapacidade. A carência é uma das alimentadoras do amor, a insuficiência nos torna mais humanos e nos leva a buscar o outro. A total suficiência nos afasta do próximo e nos faz prescindir de Deus. Hellen Keller, embora tenha nascido cega, surda e muda, escreveu certa vez que gostaria que pelo menos durante algum tempo as pessoas experimentassem um pouco da surdez e da cegueira para que desenvolvessem coisas que só podem existir na escuridão e no silêncio total.
Alguém que sobrevive a um grave acidente com seqüelas, tem duas opções: ou passa o resto de sua vida recriminando a Deus por não tê-lo protegido, e aí viverá rancoroso, vendo-se deficiente e rejeitado, ou ele reconhece a sua limitação – e quem não as tem? – e desenvolve um esforço para superá-la, tornando-se grato pelo restante de seus dias. Tudo na vida é aceitável, menos se entregar à autocomiseração.
Quando Jabez nasceu ele recebeu esse nome, que significa “sofrimento”, porque foi gerado “com muitas dores”, isto é, ele haveria de carregar consigo a sina do sofrimento. Entretanto, ele dá uma reviravolta em sua vida. Reconheceu suas necessidades, invocou ao Senhor, e certamente fez a sua parte nesta virada. É por isso que o texto diz que “ele foi mais ilustre do que seus irmãos” (1Cr 4.9–10), por ter quebrado o “fatalismo” que havia sobre sua existência.
Na verdade, muitas vezes esse “fatalismo” que muitos vivem não vem como uma imposição de fora para dentro (dos pais, da sociedade, dos colegas), mas é uma forma de “auto-maldição” do tipo: “nunca serei feliz”, ou “nunca darei certo com ninguém”, ou ainda: “a vida não me reservou nada de bom”.
Tudo quilo que nos aconteceu no passado são fatos que não podem ser mudados, portanto não adianta fingir que não ocorreu. Mas em Cristo cremos que Ele pode tornar nova a vida que se segue. Jamais diga que determinadas coisas não podem ser mudadas sem antes ter colocado isso diante de Deus. Não caia na tentação do “vitimismo”, que é o jogo preferido, até de muitos cristãos sinceros.
Certas coisas podem e devem ser diferentes. Outras, serão sempre para nós uma dificuldade que só poderá ser vivenciada sem sofrimento pela Graça de Deus. Como ensina o poeta: “A dor é inevitável. O sofrimento é opcional”.
Quando Jacó luta com Deus no Vale de Jaboque, ao final da luta ele recebe a bênção do Eterno, mas ao mesmo tempo sua coxa é deslocada e parece que aquilo ficou como um sinal para o resto da vida. Creio que o Senhor estava lhe dizendo: Eu te abençôo, mas toda vez que você for andar vai reconhecer sua deficiência, se lembrar de Mim, e depender de Mim.
Será que Deus não está fazendo isso com você?
Pr. Daniel Rocha