“Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz” (Fp 2 5–8).
Falar de renúncia nunca foi tão fora de moda quanto hoje , isso porque a lógica do mundo e do tempo em que vivemos é a do consumo, do acúmulo e da pertença. O discurso e a prática são os de que temos de ter, e ter o máximo possível, apenas para dizer e mostrar que temos! Essa mentalidade mundana e pecaminosa, por incrível que pareça, está muito presente também nas igrejas. As pessoas vão aos templos com uma única finalidade: receber, receber e receber. O serviço e a entrega são assuntos secundários ou inexistentes no discurso “evangeliquês”.
Portanto, falar de renúncia nesse contexto pode ser para muitos um perigoso e arriscado contrassenso, caminhar contra a maré. Mas não seria esta exatamente a proposta do Evangelho? Disse Jesus: “Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós” (Mt 5.11). Não podemos maquiar ou adaptar nosso discurso com a finalidade de não chocar nem afastar possíveis consumidores de uma graça barata que nós não aceitamos e não queremos. Deus, ao assumir sua forma humana em Cristo, sinalizou de maneira singular e profunda que a renúncia é um pressuposto para aqueles que com Ele querem comunhão. Jesus esvaziou-se de todo o seu poder e notoriedade divina para tomar a forma humana e de servo, não usurpando o ser igual a Deus.
Invariavelmente, quando falamos de renúncia, o que nos vem à mente é ter de abrir mão do conforto, das coisas ou pessoas que amamos, das posições que ocupamos e, talvez pelas circunstâncias do cotidiano, tenhamos mesmo de rever o lugar, a posição de prioridade de certas coisas em nossa vida. A Palavra nos apresenta, inclusive, muitos exemplos de homens e mulheres que renunciaram a várias coisas para sinalizar a soberania de Deus sobre suas vidas. Podemos citar, por exemplo, Abraão e Ana, que tiverem que renunciar a seus filhos, Zaqueu, que renunciou a seus bens, e Saulo, que renunciou a seu nome e a seu status.
Mas a mais desafiadora de todas as renúncias talvez seja ao nosso eu. Abrir mão do nosso orgulho, vaidade, teimosia e presunção mexe com nossos valores, com nossa intimidade, com nossas verdades. Para muitos, renunciar a coisas específicas ainda pode ser aceitável, mas, quando se trata de mudar a forma de ser e de pensar, a resistência é grande, pois as pessoas não querem ser confrontadas com suas debilidades e limitações. Não podemos nos esquecer, porém, de que Deus quer mudar nosso interior, tratar do nosso caráter.
Renunciar ao nosso eu é reconhecer que já não somos nós que vivemos, mas Cristo vive em nós (Gl 2:20). Por isso, precisamos matar nossa carne todos os dias para que a imagem e a semelhança do Senhor sejam restauradas em nós.
Com carinho e estima pastoral,
Pr. Tiago Valentin