Metodismo na Inglaterra

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A pri­mei­ra coi­sa a esta­be­le­cer é que o Meto­dis­mo faz par­te inte­gran­te do movi­men­to Pro­tes­tan­te. Her­dei­ro da Refor­ma, medi­an­te a Igre­ja da Ingla­ter­ra, cujos 39 Arti­gos for­mam a base dos Arti­gos de Reli­gião do Meto­dis­mo e cuja litur­gia (O Livro de Ora­ção Comum) exer­ceu gran­de influên­cia na litur­gia meto­dis­ta, o Meto­dis­mo acei­tou as três colu­nas prin­ci­pais da Refor­ma — A auto­ri­da­de das Escri­tu­ras, a Jus­ti­fi­ca­ção pela Fé e o Sacer­dó­cio Uni­ver­sal dos cren­tes (que tam­bém pode­mos sim­bo­li­zar pelos “Três P”, ou seja Pala­vra, Per­dão e Povo).

O Metodismo na Inglaterra no Tempo de Wesley

Cinco chaves para compreender nossa herança metodista

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Expe­ri­ên­cia do dia 24 de maio de 1738.A famo­sa expe­ri­ên­cia de João Wes­ley numa reu­nião à Rua Alders­ga­te, em Lon­dres, a exem­plo de Mar­ti­nho Lute­ro, na tor­re de Wit­ten­berg, mar­cou o clí­max de uma lon­ga bus­ca de um rela­ci­o­na­men­to satis­fa­tó­rio com Deus em Cris­to. Qual é o sen­ti­do des­se even­to? Pela des­cri­ção do pró­prio Wes­ley, os meto­dis­tas têm, tra­di­ci­o­nal­men­te, enfa­ti­za­do o “cora­ção aque­ci­do”. E cer­ta­men­te a emo­ção faz par­te da expe­ri­ên­cia; afi­nal, o ser huma­no não é só cére­bro, mas os sen­ti­men­tos e emo­ções lhe são molas de ação. Mas uma das coi­sas mais impor­tan­tes da des­cri­ção do pró­prio Wes­ley sobre “Alders­ga­te” é que hou­ve uma ínti­ma liga­ção entre a expe­ri­ên­cia reli­gi­o­sa e a sua dou­tri­na. Uma outra manei­ra de dizer a mes­ma coi­sa seria dizer que a com­pre­en­são dou­tri­ná­ria de Wes­ley (mui­to embo­ra pro­fun­da­men­te fun­da­men­ta­da na Pala­vra de Deus) sur­giu de sua expe­ri­ên­cia. Teo­lo­gia, em Wes­ley, não é algo dis­tan­te, espe­cu­la­ti­vo, divor­ci­a­do da vida; pelo con­trá­rio, ela nas­ce da vida reli­gi­o­sa, ou seja, da expe­ri­ên­cia da sal­va­ção. Por isso vale a pena estu­dar­mos o regis­tro de Wes­ley sobre o que acon­te­ceu no dia 24 de maio. Pode­mos fazer isso em pou­cas linhas, mas cada uma pode­ria for­ne­cer maté­ria para uma boa discussão.

(1) A expe­ri­ên­cia de Wes­ley nas­ceu da Pala­vra de Deus. Alguém lia do Pre­fá­cio de Lute­ro à Epís­to­la aos Roma­nos. Foi no momen­to que Wes­ley ouviu da “mudan­ça que Deus ope­ra no cora­ção pela fé em Cris­to” que ele expe­ri­men­tou a fé! Con­fir­mou o que Pau­lo dis­se­ra que “a fé é pelo ouvir e o ouvir pela pala­vra de Deus” (Rm. 10.17)

(2) A expe­ri­ên­cia foi fun­da­men­tal­men­te do Dom da fé. Mas Wes­ley apren­deu, com Lute­ro, de que con­sis­te a ver­da­dei­ra fé — é con­fi­an­ça (não cren­ça). “Sen­ti que con­fi­a­va em Cris­to, Cris­to tão somen­te para minha sal­va­ção…”. Fé, então, é con­fi­ar a vida nas mãos de Cris­to, esta­be­le­cer aque­le rela­ci­o­na­men­to pelo qual Cris­to se tor­na Senhor e Sal­va­dor pessoal.

(3) Com o ato de con­fi­ar sua vida a Cris­to, esta­be­le­cen­do um novo rela­ci­o­na­men­to, Wes­ley foi per­do­a­do, ou seja, per­ce­beu que Cris­to havia tira­do seus peca­dos — não era ape­nas o cor­dei­ro de Deus, que tira peca­do do mun­do, mas o Sal­va­dor que tira­va os peca­dos de João Wesley.

(4) Daqui­lo que Cris­to lhe fize­ra, o Espí­ri­to San­to tes­ti­fi­cou, pois no mes­mo momen­to “uma segu­ran­ça” lhe foi dada de que Cris­to havia tira­do seus peca­dos e o havia sal­va­do “da lei do peca­do e da morte”.

(5) Só? Não, há mais! Wes­ley diz que come­çou a orar pelos ini­mi­gos e per­se­gui­do­res! Sem men­ci­o­nar o Novo Nas­ci­men­to, Wes­ley demons­tra­va nes­ta nova capa­ci­da­de de per­do­ar que Deus não havia ape­nas lhe per­do­a­do, mas tam­bém trans­for­ma­do o seu ínti­mo. Como os meto­dis­tas can­tam: “Tu não somen­te per­do­as, puri­fi­cas tam­bém, ó Jesus”.Concluímos, então, que uma das prin­ci­pais carac­te­rís­ti­cas do meto­dis­mo wes­leya­no era, ao invés de teo­lo­gia espe­cu­la­ti­va, uma ínti­ma cone­xão entre a dou­tri­na e a experiência.

Evangelização

Deve­mos lem­brar que não foi ape­nas João Wes­ley que teve uma expe­ri­ên­cia reli­gi­o­sa trans­for­ma­do­ra em maio de 1738; Car­los, irmão de João Wes­ley, tam­bém, no domin­go ante­ri­or, rece­be­ra o dom da fé. Car­los tra­du­ziu sua expe­ri­ên­cia, que ocor­re­ra no Domin­go de Pen­te­cos­tes, num hino que lem­bra as lín­guas de fogo do pri­mei­ro Pen­te­cos­tes — “Mil lín­guas eu qui­se­ra ter”. em cer­to sen­ti­do, enquan­to João via­ja­va por toda a par­te pro­cla­man­do atra­vés da pre­ga­ção as boas novas de vida nova em Cris­to Jesus, Car­los, atra­vés de 6.500 hinos de sua auto­ria tam­bém evangelizava.

Há cer­tas carac­te­rís­ti­cas da evan­ge­li­za­ção wes­leya­na que devi­am ser notadas:

Pri­mei­ro, o sécu­lo XVIII pre­sen­ci­ou o nas­ci­men­to de uma nova clas­se soci­al, a dos ope­rá­ri­os. Os pri­mei­ros repre­sen­tan­tes des­sa nova clas­se eram minei­ros. Opri­mi­dos pelas lon­gas horas de tra­ba­lho árduo e bai­xo salá­rio, os minei­ros não eram leva­dos em con­ta pela igre­ja ofi­ci­al, e pou­cos deles pro­cu­ra­vam a mes­ma. Foi aos minei­ros de Kingswo­od e Bris­tol que os meto­dis­tas pri­mei­ro foram para lhes ofe­re­cer vida em Cris­to! Mais tar­de, com o cres­ci­men­to das fábri­cas, os ope­rá­ri­os e ope­rá­ri­as seri­am obje­to da men­sa­gem meto­dis­ta e fari­am par­te inte­gran­te da soci­e­da­de e par­tes meto­dis­tas. Mui­to antes da igre­ja angli­ca­na tomar cons­ci­ên­cia da pró­pria exis­tên­cia des­sa nova clas­se, os meto­dis­tas já lhes ministrava.

A segun­da coi­sa a notar é que havia neces­si­da­de de des­co­bri­rem-se novos méto­dos e agên­ci­as para aten­der a essa nova situ­a­ção. A pre­ga­ção ao ar livre pro­vou ser o meio para atin­gir essa nova clas­se. Geor­ge Whi­te­fi­eld e Wes­ley pre­ga­vam aos minei­ros ao saí­rem estes das minas, pois os minei­ros não pro­cu­ra­vam a igre­ja. Nas pra­ças de Lon­dres, Bris­tou e New­cas­tle, os meto­dis­tas ofe­re­ci­am Cris­to ao públi­co atô­ni­to com essa eno­va­ção! Mais se a pre­ga­ção ao ar livre pro­vou ser o ins­tru­men­to, os agen­tes, mui­to mais do que minis­tros orde­na­dos, pas­sa­ram a ser os pre­ga­do­res lei­gos (pre­ga­do­res sem for­ma­ção teo­ló­gi­ca). Des­de a pre­ga­ção do jovem Tomas Max­fi­eld, que tra­ba­lha­va com Wes­ley como “filho no evan­ge­lho” no seu cen­tro em Lon­dres (a “Fun­di­ção”) e que Suza­na Wes­ley con­si­de­ra­va tão voca­ci­o­na­da como seu pró­prio filho João! — pes­so­as com gra­ça (expe­ri­ên­cia pes­so­al de fé), “dons” (capa­ci­da­de para pro­cla­mar cla­ra­men­te as boas novas) e “fru­tos” (resul­ta­dos posi­ti­vos da sua pre­ga­ção em ter­mos de des­per­ta­men­to e con­ver­são) e que se dis­pu­nham a tra­ba­lhar nos luga­res onde Wes­ley indi­ca­va, mais que se com­pro­me­ti­am a ler pelo menos 6 horas por dia, mili­ta­vam como pro­fe­tas (pro­cla­ma­do­res) sob a ori­en­ta­ção de João Wesley.

A ter­cei­ra coi­sa a ser nota­da nes­ta evan­ge­li­za­ção meto­dis­ta é sua estrei­ta liga­ção com o ser­vi­ço ao povo e ação soci­al. Tal­vez bas­te lem­brar­mos que a últi­ma car­ta que o velho Wes­ley escre­veu foi ende­re­ça­da a Wil­li­am Wil­ber­for­ce, enco­ra­jan­do na sua luta no par­la­men­to inglês con­tra escravidão.

A terceira chave: O povo

Wes­ley nun­ca teve a inten­ção de que o meto­dis­mo pas­sas­se a ser uma nova igre­ja, ele pre­ten­dia que fos­se um movi­men­to em sua ama­da igre­ja angli­ca­na (da qual nun­ca saiu) para seu des­per­ta­men­to e capa­ci­ta­ção para o exer­cí­cio da mis­são de Deus. A pre­o­cu­pa­ção de Wes­ley era o POVO e os seus segui­do­res, ele os cha­ma­va de “o povo cha­ma­do Metodista”.

Já vimos aci­ma que des­te povo Wes­ley con­se­guiu seus pre­ga­do­res e pre­ga­do­ras — pois Wes­ley per­mi­tia que mulhe­res como Mary Bosan­quet pre­gas­se. De Mary, Wes­ley dizia que sua pala­vra era tudo “luz e fogo”. Assim Wes­ley des­co­briu um modo fácil de expres­sar a dou­tri­na de Lute­ro, o “Sacer­dó­cio Uni­ver­sal do Cren­te”. Mas a ênfa­se do povo não pára com a pre­ga­ção de lei­gos, por mais impor­tan­te que fos­se: o Meto­dis­mo via sua mis­são como uma rea­li­za­da pelo povo e em prol do povo. É por isso que nos prin­ci­pais cen­tros do meto­dis­mo wes­leya­no sur­giu esco­las, orfa­na­tos, ambu­la­tó­ri­os, fun­dos de emprés­ti­mo, cen­tro de arte­sa­na­to etc.. foi por isso que Wes­ley e os Meto­dis­tas luta­vam con­tra a escra­vi­dão que degra­da­va e explo­ra­va o povo afri­ca­no. Foi para poder ser­vir o povo que o pró­prio Wes­ley pro­cu­ra­va ganhar todo dinhei­ro pos­sí­vel e eco­no­mi­zar o máxi­mo — não para ficar rico, mais para ter recur­sos para “dar tudo pos­sí­vel”. Por isso, já nos seus dias de pro­fes­sor em Oxford, ele havia eco­no­mi­za­do dinhei­ro que nor­mal­men­te teria gas­to com car­vão para sua larei­ra. Ele agüen­ta­va o frio dos inver­nos ingle­ses para ter dinhei­ro para pagar uma pro­fes­so­ra de uma clas­se de mole­ques pobres da cida­de de Oxford.

A quarta chave é a ênfase na Santificação / Perfeição

Para Wes­ley, a san­ti­fi­ca­ção é um pro­ces­so de cres­ci­men­to em gra­ça que come­ça no momen­to que, pela fé, Deus per­doa o peca­dor arre­pen­di­do e ini­cia o pro­ces­so da sua trans­for­ma­ção ínti­ma. A per­fei­ção é um Dom de Deus pelo qual aper­fei­çoa sua obra no cren­te, enchendo‑o de amor para com Deus e o pró­xi­mo. A cha­ve para enten­der­mos a per­fei­ção é o AMOR.Wesley tinha mui­tos sinô­ni­mos para a per­fei­ção, sinô­ni­mos estes que não inven­tou mas achou na pala­vra de Deus.

Per­fei­ção é pure­za de cora­ção, é imi­ta­ção de Cris­to, é comu­nhão inin­ter­rup­ta com Deus e com seus pro­pó­si­tos, mas mais do que qual­quer outra coi­sa, é o Amor. O estu­do do livro aos Hebreus o con­ven­ceu da abso­lu­ta neces­si­da­de de san­ti­da­de na vida do dis­cí­pu­lo de Jesus.

Car­los Wes­ley ensi­nou aos meto­dis­tas a dou­tri­na atra­vés dos seus hinos, pou­cos dos quais che­ga­ram até nós. Tal­vez a mais cla­ra expres­são da dou­tri­na se encon­tra no seu hino “amor divi­no que exce­de todos os amo­res” (“gran­de amor”, nº 293 no HE).

Ó Senhor, que a tudo excedes,
Dom celes­te, Amor sem par,
Vem, coroa os teus favores,
Entre em nós vem habitar.
Gran­de Amor, Amor bendito,
Ó divi­na compaixão,
Vem, socor­re ao que padece,
Faze nele habitação”

Para Wes­ley, a pri­mei­ra epís­to­la de João é a melhor do comen­tá­rio sobre a per­fei­ção cris­tã. Nes­ta epís­to­la, a liga­ção entre o amor e a vida cris­tã é paten­te. “aque­le que diz que está na luz mas odeia seu irmão ain­da está nas tre­vas até ago­ra” (2.9). O mes­mo autor adver­te: “filhi­nhos, não ame­mos de pala­vras nem de lín­gua mas por ações e em ver­da­de” (3.18), o que mui­to nos lem­bra de Tia­go que ques­ti­o­na a fé daque­le que nada faz em prol do irmão sem rou­pa nem ali­men­to (2.14–15).

Uma Quinta chave é a ênfase missionária do Metodismo Wesleyano

Os meto­dis­tas defi­ni­ram sua razão de exis­tên­cia em ter­mos de “Refor­mar a nação, par­ti­cu­lar­men­te a igre­ja, e espa­lhar San­ti­da­de Bíbli­ca em toda nação”. Aca­ba­mos de ver de como ser­vi­am impul­si­o­na­dos a levar as boas novas aos ope­rá­ri­os e aos pobres, geral­men­te negli­gen­ci­a­dos pela igre­ja ofi­ci­al. Mas havia tam­bém algo den­tro do meto­dis­mo que o fez ven­cer as bar­rei­ras dos mares, pois logo ele é leva­do espon­ta­ne­a­men­te, para a Irlan­da, Escó­cia, as Ilhas do Canal, para o con­ti­nen­te euro­peu e para o Novo Mun­do — para Anti­gua no Cari­be, para as Colô­ni­as que viri­am a ser os EUA, para Ter­ra Nova, par­te do atu­al Cana­dá. Aliás, uma igre­ja que não é mis­si­o­ná­ria é ou mor­ta ou moribunda.

Fon­te: Momen­tos Deci­si­vos do Metodismo,
prof. Dun­can Reily — Impren­sa Metodista