Acabamos de celebrar a Páscoa, o evento mais importante para nossa caminhada enquanto cristãos e cristãs. Afinal, a ressurreição de Jesus é o que dá sentido à nossa fé. Na chamada Semana Santa, diversos episódios são relatados nos Evangelhos; mas, dentre tantos eventos que ocorreram naquele período, um em especial sempre me chama a atenção: o fato de o traidor estar à mesa com Jesus.
Horas antes de ser preso, torturado e crucificado, Jesus partilhou Seus últimos momentos com Seus discípulos, inclusive com Judas, que o trairia. Pense comigo: Jesus Se ajoelhou diante de Judas, lavou e secou seus pés olhando fixamente nos seus olhos. Logo após o lava-pés, eles celebraram a Páscoa. Em seguida, Jesus tomou o pão e o vinho e os repartiu com os doze, declarando que aqueles elementos simbolizavam o Seu corpo e o Seu sangue, e que Seus seguidores deveriam continuar a partilhá-los em memória do Seu sacrifício. Fico imaginando o quanto esses momentos foram íntimos, profundos e comprometedores, e ainda assim Jesus permitiu que Judas participasse de cada um deles, embora ciente do que ele pretendia fazer e sabendo que ele consumaria a sua traição logo após deixar o cenáculo onde cearam. Esse é o fato que mais me chama a atenção: Jesus sabia.
O fato de Jesus ter consciência de que o traidor estava ali o tempo todo nos revela algumas coisas, entre elas que o amor de Jesus era tão profundo que nem mesmo uma traição seria impeditiva para que Ele amasse qualquer um de Seus discípulos. Certamente, isso difere em muito da nossa natureza de vingança e de justiça com as próprias mãos , sentimentos que são acionados quando sabemos que fomos traídos. Ao tomarmos consciência de uma traição, queremos imediatamente a reparação e, se possível, a punição de quem nos traiu. No caso de Jesus, o relato bíblico nos leva a crer que, antes mesmo de entrar em Jerusalém, Ele já sabia o que se passava no coração de Judas e, mesmo assim, não o impediu de caminhar ao Seu lado.
Que amor e que graça extraordinários! Certamente havia tristeza no coração de Jesus em relação a Judas, mas o Mestre agiu com misericórdia e permitiu que o discípulo desfrutasse de Seus momentos finais. Jesus não tinha controle sobre as escolhas de Judas, mas Ele também fez a Sua escolha. Se, por um lado, a consciência de Jesus acerca de Judas nos revela o Seu amor, também demonstra que Jesus não estava enganado nem tentando se enganar a esse respeito.
Perceba que Jesus, de certa forma, sempre soube com quem estava lidando. E não se tratava apenas de Judas, mas de todos à Sua volta, sobretudo dos doze discípulos. Jesus sabia até onde podia ir com Judas e, por isso, foi com Pedro, Tiago e João que Ele vivenciou experiências únicas; foi com João que Ele escolheu ter maior intimidade; foi com Tomé que Ele teve maior tolerância. Em outras palavras, Ele sabia como lidar e o que esperar de cada discípulo. Os Evangelhos não nos dão conta de que Jesus tivesse ficado surpreso ou decepcionado com Judas. Podemos conjecturar que talvez Ele já esperasse tal atitude do discípulo. Apesar de amá-lo, Jesus não Se iludiu com Judas e foi com ele até onde era possível.
Eis aqui uma grande lição a ser aprendida: amar todas as pessoas não significa repartir nossa vida da mesma forma com todas elas. Infelizmente, os “traidores” fazem parte da nossa vida e, por vezes, estão assentados à nossa mesa. Sim, a decepção com as pessoas, sobretudo com as mais próximas, é cruel. Por isso, precisamos pedir a Deus que não nos deixe enganados a respeito das pessoas com quem convivemos e nas quais escolhemos confiar. Uma vez que sabemos quem é quem na nossa vida, precisamos estabelecer os limites necessários em cada relação. Caso sejamos vítimas de uma injustiça, devemos nos lembrar de que Jesus não fez absolutamente nada contra Judas, pois o próprio Judas era o pior inimigo de si mesmo. Sigamos o conselho sábio de Jesus: “Sede, portanto, prudentes como as serpentes e símplices como as pombas” (Mt 10:16).
Do amigo e pastor,
Tiago Valentin