“Porque assim diz o Senhor Deus: Eis que eu, eu mesmo, procurarei pelas minhas ovelhas, e as buscarei. Como o pastor busca o seu rebanho, no dia em que está no meio das suas ovelhas dispersas, assim buscarei as minhas ovelhas; e livrá-las-ei de todos os lugares por onde andam espalhadas, no dia nublado e de escuridão” (Ezequiel 34:11–12).
Estamos no tempo do Advento, e o desafio de pensarmos o anúncio da chegada do Messias ao nosso mundo contemporâneo é desafiador, pois, assim como nos tempos bíblicos, as lideranças religiosas desempenham um papel vital na vida das comunidades de fé e do povo em geral.
O capítulo 34 do livro do profeta Ezequiel revela valiosas lições sobre o papel dos líderes religiosos e a responsabilidade dos membros ou “ovelhas” naquelas comunidades. O texto que abre esta pastoral traz uma profecia de Ezequiel contra os líderes de Israel e, já nos primeiros versículos, mostra a insatisfação de Deus com eles: “E veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: Filho do homem, profetiza contra os pastores de Israel; profetiza, e dize aos pastores: Assim diz o Senhor Deus: Ai dos pastores de Israel que se apascentam a si mesmos” (Ez 34:1–2).
Nesse contexto, é necessário que examinemos atentamente a liderança pastoral de nosso tempo, assim como a nossa postura enquanto membros, para garantir que estejamos verdadeiramente cumprindo o propósito espiritual de cuidar uns dos outros, e não pastoreando a nós mesmos ou agindo como aquelas ovelhas egoístas que, depois de comer, pisam a grama ou enlameiam a água para que as outras não possam comer nem beber depois delas. Esse texto de Ezequiel não traz alertas apenas para as lideranças pastorais, mas também para a liderança leiga e para todos os membros do corpo de Cristo.
Não podemos negar o crescimento numérico dos evangélicos em nosso país, o aumento de comunidades, igrejas e lideranças religiosas que se destacam nas mídias sociais ou que buscam visibilidade, as quais, para este fim, chamaremos de “pastores”. Tais lideranças religiosas, à semelhança dos pastores mencionados em Ezequiel 34, teriam a responsabilidade de guiar, proteger e nutrir seu rebanho espiritual e deveriam agir como verdadeiros pastores, preocupando-se com as necessidades espirituais e emocionais daqueles que estão sob seus cuidados, principalmente num mundo em que as tentações de poder e de ganho pessoal podem ser fortes, iminentes e, inclusive, deturpadoras do evangelho de Jesus ao promover valores de uma sociedade capitalista e rejeitar o amor e o cuidado com os pobres e excluídos do nosso tempo. Fora dos cuidados e do olhar dos pastores que verdadeiramente desempenham seu papel, ovelhas perversas maltratam as ovelhas mais novas, fragilizadas, doentes ou machucadas.
Uma vez estabelecida a função das autoridades espirituais em acompanhar suas ovelhas com amor e cuidado integral, devendo atentar-se de que seu papel é um serviço, e não um privilégio para elas mesmas, todos aqueles que buscam exercer influência espiritual sobre os demais deveriam estar dispostos a sacrificar seus próprios interesses em prol do bem-estar espiritual da congregação, e não utilizá-la para qualquer ganho unicamente pessoal.
E não trato aqui sobre remuneração ou subsídios pastorais; pelo contrário, é de responsabilidade da igreja o subsídio de todos os seus missionários, e não uma mera responsabilidade financeira, mas um cuidado real e integral também para com aqueles que se dedicam ao serviço de Deus. A questão é o ganho pelo próprio ganho, seja por meio de reconhecimento pessoal ou financeiro, seja por qualquer outra forma que produza conformismo ou traga implicações de comodismo ou de omissão em relação ao cuidado do próprio rebanho.
Podemos perceber a ausência de cuidado quando as ovelhas não são capazes sequer de se alimentar sozinhas, ou de trabalhar em comunidade no desafio de seus dons e ministérios, ou até mesmo quando as próprias atividades da comunidade são apenas protocolares, o fazer por fazer. O texto traz alertas importantes a todo aquele que busca exercer autoridade espiritual sobre alguém, pois, se deseja ser pastor, deve agir como tal, e, como ovelhas mais experientes, devemos nos atentar às fragilidades das outras.
A mesma profecia denuncia o comportamento das ovelhas, enfatizando a ausência de cuidado para com as ovelhas mais frágeis. Ou seja, os alvos dessa profecia não são apenas os pastores, mas toda a comunidade de ovelhas egoístas e intransigentes. Nós, hoje, como membros dessa onda evangélica brasileira compromissada somente com movimentos de orações, cânticos e pregações que apenas satisfazem seus egos, ao invés de exercermos um papel significativo na vida das outras pessoas, buscamos apenas aquilo que possa nos interessar e, se aquela comunidade local não atende mais nossos anseios individuais, descartamos a possibilidade de frequentá-la ou de participar dela.
Temos muitas opções no cardápio de igrejas e comunidades para uma ampla gama de fregueses, pois, hoje em dia, muitas igrejas e pastores servem mais para proporcionar negócios e relacionamentos aos frequentadores do que um discipulado genuíno, que traga frutos e demonstre a importância e a relevância dessa comunidade para todos à sua volta, e não apenas para os seus poucos participantes. Se for assim, aqueles que não podem agregar ou pagar para custear determinadas programações sempre estarão excluídos, pois já não nos preocupamos se os mais vulneráveis e carentes poderão arcar financeiramente com nossas programações extracultos, como encontros, acampamentos etc. Tais pessoas e seus dons se tornam descartáveis em nosso tempo, e seu relacionamento com a comunidade e sua participação nas atividades passam a ser irrelevantes para as outras ovelhas. É muito fácil cair na armadilha e agir como “ovelha opressora”. Outro exemplo acontece quando os membros mais “fortes”, “influentes” ou “ricos” usam sua posição para ganhar vantagens em detrimento dos mais fracos, manipulam processos, assumem cargos estratégicos e agem com politicagens dentro das estruturas eclesiásticas, mudando por dentro a visão do rebanho.
Por isso, cada membro deve refletir sobre seu próprio comportamento, se está contribuindo devidamente para o bem-estar da comunidade ou se precisa realizar ajustes na sua conduta para garantir que todos sejam cuidados, amparados e ouvidos. Os líderes devem também permitir o desenvolvimento dos outros, a fim de que todos e todas cresçamos como discípulos e discípulas. Devem ainda exercer uma liderança humilde e simples, contribuindo com o reino e com o sustento e cuidado de todo o rebanho.
Realmente, este texto não é fácil de ler; confronta nossas estruturas e a nós mesmos. A lição mais profunda que podemos tirar dele é a promessa do cuidado divino. Quando pastores falham e ovelhas oprimem, Deus ainda está presente para guiar e proteger Seu rebanho. Por isso, o nosso desafio enquanto comunidade de fé é que busquemos incessantemente uma conexão espiritual mais profunda com Deus. Quando confiamos em Deus como nosso verdadeiro pastor, somos capacitados a seguir o Seu exemplo de cuidado e compaixão estabelecido por meio de Jesus, o bom pastor, que deu a Sua vida por todas as Suas ovelhas.
Não podemos esquecer que a liderança pastoral e o comportamento dos membros estão diretamente ligados, pois líderes, bons ou maus, trazem inspirações aos seus liderados. Se inspiram amor, o amor é vivenciado na comunidade, mas, se não cuidam das ovelhas, por que as ovelhas cuidariam umas das outras? Esta reflexão não alcança apenas aqueles que foram chamados para o pastoreio de pessoas, mas a todos aqueles e aquelas que pertencem ao rebanho de Jesus e são reconhecidos como Seus discípulos.
Os pastores devem zelar pelo cuidado com as vidas e a liderança deve dar exemplo de humildade e dedicação ao serviço, enquanto os membros devem demonstrar solidariedade e empatia uns pelos outros. Somente assim poderemos viver de acordo com o mandamento de amor ao próximo e alcançar o cuidado espiritual genuíno que a profecia de Ezequiel 34 pode nos ensinar, pois a mensagem continua a ressoar nos dias de hoje, chamando-nos a refletir sobre nossa liderança religiosa e nosso papel como membros de nossa comunidades de fé.
Que possamos exercer o amor para com todas as pessoas, independentemente de sua posição, formação ou ganho, trabalhando juntos para criar ambientes nos quais o cuidado, a justiça e a compaixão floresçam, a fim de que a mensagem do amor salvífico e o pastoreio de Jesus possam tornar-se uma realidade tangível e integral em nossas vidas e em nossas comunidades de fé. Que neste tempo do Advento possamos pensar no cuidado de Deus e no nosso cuidado para com o outro.
Que Deus nos abençoe e nos fortaleça para Sua missão!
Seminarista Paulo Roberto L. Almeida Junior