Ir à igreja ou não?
”Não deixemos de congregar-nos, como é de costume de alguns; antes façamos admoestações e tanto mais quanto vedes que o dia se aproxima. Porque, se vivermos deliberadamente em pecado, depois de termos recebido o pleno conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados” (Hebreus 10:25–26).
Ir ou não ir à igreja, eis a questão. Muitos de nós, cristãos e cristãs, fomos ensinados desde a infância a ir à igreja com nossos pais. Outros já não podem declarar o mesmo. Para definirmos “igreja”, porém, é necessário um breve conhecimento sobre o
que é igreja.
Richard Halverson, escritor e pastor presbiteriano estadunidense, disse, certa vez: “No início, a igreja era um grupo de homens e mulheres centrados no Cristo vivo. Então a igreja chegou à Grécia, e tornou-se uma filosofia. Depois chegou a Roma, e tornou-se uma instituição. Em seguida, à Europa, e tornou-se uma cultura. E, finalmente, chegou à América, e tornou-se um negócio”.
Para nós, cristãos e cristãs, o conceito de igreja surge no Antigo Testamento, por meio do povo hebreu, e se inicia com a comunhão, os ajuntamentos, as tendas, até enfim chegar aos templos e sinagogas. O termo em hebraico que aparece com maior frequência nesse sentido é qahal, que, de uma maneira simplificada, se traduz por “ajuntamento”, “congregação” ou “assembleia”, lugar para adorar a Deus e servir ao próximo.
Não diferentemente, Jesus Cristo, criado em Nazaré e sendo judeu, ia ao templo desde pequeno (Lc 2:46) e respeitava e conhecia a Lei. Porém, quando iniciou Seu ministério, deixou claro que não concordava com a instituição e a estrutura funcional do templo. Por essa razão, proclamava o Reino de Deus nas casas, nos montes, nos pátios e nas planícies, sem perder o costume de se reunir em comunhão (koinonia), servir a Deus e ao próximo (diakonia) e pregar, proclamar, anunciar a mensagem (kerigma).
Após a morte de seu Rabi, os apóstolos, discípulos e discípulas (seguidores de um modo geral) passaram a sofrer perseguições e a fazer seus cultos em casas, cemitérios, catacumbas e lugares escondidos. Paulo, conhecedor e participante do movimento de Jesus, começou a disseminar focos de cristianismo em comunidades de não judeus, como Pedro fazia para gentios e alguns prosélitos. Outras cidades e províncias começaram a conhecer o cristianismo, e não somente o Deus dos judeus, mas o judeu que foi Deus.
O termo grego utilizado no Novo Testamento para “igreja” é ekklesia (εκκλησία), ecclesia em latim, que se entende como uma instituição religiosa cristã separada do Estado. Cabia à igreja administrar o dinheiro do dízimo, construir templos, ordenar sacerdotes (e muitas vezes mantê-los) e repassar para seus crentes a sua interpretação da Bíblia. Há, porém, igrejas que são unidas ao Estado, como é a atual Igreja Anglicana, no Reino Unido, e como era a Igreja Católica brasileira no tempo do Império.
Modernamente, a palavra “igreja” passou a ser usada também para designar um templo cristão, o edifício em que os cultos cristãos são realizados. Contudo, no contexto bíblico, o termo “igreja” designa uma reunião de pessoas, sem estar necessariamente associado a uma edificação ou a uma doutrina específica.
Etimologicamente, a palavra grega ekklesia é composta pela preposição ek (ou ex), que significa “para fora”, e pela forma verbal klesia, que significa “chamados”, ou “convocados”. No Novo Testamento, a palavra “igreja” aparece diversas vezes, sendo utilizada como referência a um agrupamento de cristãos, e não a edificações ou templos e, em alguns casos, nem mesmo a toda a comunidade cristã.
Ainda assim, falar hoje sobre igreja pode, muitas vezes, despertar conceitos e preconceitos. Ao se referirem a uma igreja, sobretudo evangélica, muitos comentam:
É um lugar onde só tem gente louca, fanática e careta;
É um lugar em que só se pede dinheiro e se exploram as pessoas;
É um lugar criado para enriquecer o pastor ou a pastora;
É um lugar em que se faz lavagem cerebral;
É um lugar arcaico e sem significado;
É um lugar onde as pessoas se julgam e se condenam umas às outras;
É um lugar cheio de regras e leis sem sentido;
É um lugar de repressão.
Essas e outras descrições são atribuídas por pessoas que não querem estar na igreja, embora muitas igrejas realmente defendam em sua visão preceitos que levam a essas opiniões. Contudo, a verdadeira igreja deve ser arauto do evangelho e adotar as ações de Cristo, pois Ele mesmo condenou todo tipo de religiosidade, mas não a religião, e todo tipo de tradicionalismo, mas não a tradição. O movimento de Jesus era uma religião, mas não era abusivo.
Há igrejas, embora poucas, que não se preocupam apenas com sua infraestrutura, mas sobretudo com as pessoas e com os valores que não envelhecem. “O mundo é minha paroquia”, já dizia John Wesley, precursor do Metodismo. A igreja nunca foi e nunca será as quatro paredes de um templo. A igreja somos nós, o corpo de Cristo. O local onde nos reunimos é apenas um ajuntamento em que compartilhamos nossos anseios, dúvidas, crenças, fé, respeito mútuo; um lugar onde nos unimos crendo que, por mais diferentes que sejamos, Deus nos uniu para sermos Um, como Ele quer ser e é conosco.
A igreja (corpo de Cristo) é composta por pessoas, e pessoas são falhas. Por isso, nunca haverá uma igreja perfeita, pois toda perfeição existe apenas em Deus. No entanto, podemos, e devemos, buscar a cada dia ser melhores do que já fomos e de como estamos hoje – uma igreja que não é uma empresa nem um negócio, mas uma verdadeira ponte de amor e de serviço, que são os principais fundamentos que Cristo nos deixou.
Quando vejo muitas estruturas que se autodenominam igrejas, fico indignado, pois me parecem totalmente distantes da vontade de Deus. Contudo, eu me alegro em saber que ainda existem igrejas comprometidas com o verdadeiro evangelho, lugares que de fato nos dão vontade de ali congregar, onde o Espírito de Deus realmente nos convida para momentos de transformação, de liberdade e de sentido pleno. A igreja de Cristo deve ser um canal de transformação do indivíduo e da sociedade. ”Ora, o Senhor é o Espírito; e, onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade” (2 Co 3:17).
Pastor Israel Alcântara da Rocha