A era dos insatisfeitos

Nós vos toca­mos flau­ta, e não dan­ças­tes; ento­a­mos lamen­ta­ções, e não pran­te­as­tes” (Mt 11.17)

Insa­tis­fa­ção com o empre­go, insa­tis­fa­ção com a esco­la, com os fami­li­a­res, com os rumos da vida, com a comu­ni­da­de de fé… Ado­les­cen­tes ente­di­a­dos, espo­sas frus­tra­das, mari­dos desa­ni­ma­dos. Esta é uma gera­ção de insa­tis­fei­tos. A tec­no­lo­gia e as faci­li­da­des da vida não tor­na­ram as pes­so­as mais feli­zes. Ao contrário.

E quan­do fatos desa­gra­dá­veis acon­te­cem, e ora­ções demo­ram a ser res­pon­di­das, logo essa insa­tis­fa­ção é diri­gi­da tam­bém con­tra Deus. Há hoje espa­lha­do pelas igre­jas um exér­ci­to de decep­ci­o­na­dos com Deus, pois Ele “per­mi­tiu” que acon­te­ces­sem cer­tas coi­sas que deve­ria ter impe­di­do, ou então não res­pon­deu da for­ma espe­ra­da aos dese­jos mani­fes­tos no cora­ção. Mui­tos mos­tram des­gos­to com Deus por­que Ele não se “com­por­ta” da manei­ra que se espe­ra de um Todo-Poderoso.

Insa­tis­fa­ção gera cobran­ças, des­trói rela­ci­o­na­men­tos, e inven­ta cul­pa­dos. Refi­ro-me àque­la insa­tis­fa­ção crô­ni­ca, que já não con­se­gue enxer­gar bele­za no mun­do, nem extrair pra­zer da arte, da vida, das amizades…

É pre­ci­so ter cora­gem para bus­car a ori­gem des­ses sen­ti­men­tos. É pro­va de matu­ri­da­de saber dis­cer­nir se o pro­ble­ma está fora ou den­tro de nós. Embo­ra às vezes pare­ça estar no mun­do exte­ri­or, na mai­o­ria das vezes resi­de no pró­prio interior.

Jesus mos­trou aos reli­gi­o­sos de sua épo­ca a eter­na insa­tis­fa­ção que vivi­am, dizen­do que eles eram como aque­les meni­nos pro­pon­do brin­ca­dei­ras aos seus com­pa­nhei­ros: “Nós toca­mos flau­ta, e não dan­ças­tes; ento­a­mos lamen­ta­ções e não pran­te­as­tes” (Mt 11.17). Ou seja, quan­do deve­ri­am dan­çar e can­tar, fica­vam car­ran­cu­dos, e quan­do a brin­ca­dei­ra muda­va, tam­bém não pre­ten­di­am par­ti­ci­par. Quer Jesus rea­li­zas­se mila­gres, ou quer João Batis­ta pre­gas­se arre­pen­di­men­to, não havia rea­ção posi­ti­va, eles per­ma­ne­ci­am insatisfeitos.

Creio que essa doen­ça sem­pre este­ve pre­sen­te no meio do povo de Deus. A mur­mu­ra­ção que os judeus levan­ta­ram no deser­to, com o maná, era uma for­ma de insa­tis­fa­ção. Foi-lhes dado o “cere­al do céu”, mas o povo pre­fe­ria cla­ra­men­te as car­nes do Egi­to. O que havia de erra­do com o maná? O pro­ble­ma não era o maná em si, mas o estô­ma­go de quem comia o maná. Lição: Aqui­lo que Deus nos dá, algu­mas vezes não irá agra­dar ao nos­so pala­dar, e nes­se momen­to as car­nes do Egi­to (nos­sa anti­ga vida) nos pare­ce­rão mais apetitosas.

A con­tra­ri­e­da­de e o abor­re­ci­men­to com as pes­so­as que nos rodei­am, logo pode ense­jar um pen­sa­men­to de afas­ta­men­to delas: “Ó Deus, em ‘algum lugar’ deve haver gen­te mais amá­vel, mais solí­ci­ta, e que mere­ça a minha pre­sen­ça…”. Quan­do temos difi­cul­da­de em acei­tar a fali­bi­li­da­de do outro e a inca­pa­ci­da­de do pró­xi­mo de gerar satis­fa­ção para mim o tem­po todo, eu me decepciono.

É qua­se impos­sí­vel agra­dar a um insa­tis­fei­to, pois por mais que você faça sem­pre fal­ta­rá algu­ma coi­sa. Em últi­ma aná­li­se, a insa­tis­fa­ção é uma doen­ça dos olhos, é um “não-estar-pre­sen­te-aqui”, pois a alma está vagan­do sonha­do­ra em algum lugar.

Tal­vez o per­so­na­gem bíbli­co mais mal-humo­ra­do e insa­tis­fei­to, tenha sido o pro­fe­ta Jonas. Sua cru­za­da evan­ge­lís­ti­ca em Níni­ve fora um ver­da­dei­ro suces­so, e sua pre­ga­ção con­ver­te­ra toda uma cida­de. Nenhum pro­fe­ta jamais con­se­gui­ra tal fei­to. Era para estar feliz. Mas não esta­va. Havia uma pre­dis­po­si­ção inte­ri­or que o impe­dia de se ale­grar. Deus lhe repre­en­de: “Jonas, é razoá­vel esta tua ira?”.

Tal­vez o Senhor tam­bém este­ja lhe per­gun­tan­do: “Filho(a), eu lhe tenho aben­ço­a­do, você tem um lar, lhe dei uma famí­lia, um empre­go, Eu tenho sus­ten­ta­do sua vida, você é ama­do por Mim… É razoá­vel este teu des­con­ten­ta­men­to, este teu des­pra­zer, este olhar de enfa­do, em que nada para você está bom? É razoável?”

Pr. Daniel Rocha

Pr. Dani­el Rocha

One Reply to “A era dos insatisfeitos”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.