Conseguiu… Mas a alma definhou

Con­ce­deu-lhes o que pedi­ram, mas fez defi­nhar-lhes a alma” (Sl 106.15)

Os hebreus, quan­do pas­sa­ram pelo deser­to, vivi­am recla­man­do da fal­ta que sen­ti­am dos pei­xes, bata­tas, pepi­nos e melões dos egíp­ci­os… e recu­sa­vam-se a con­ti­nu­ar comen­do o maná, que Deus lhes man­da­va do céu, dos quais cozi­nha­vam e fazi­am bolos. Ali­men­ta­va, mas o que dese­ja­vam mes­mo era a car­ne do Egito.

Deus se irou tan­to que dis­se a Moi­sés: Que­rem car­ne? Então come­reis não um dia, nem dois, nem cin­co… mas um mês intei­ro, até vos sair pelos nari­zes, até que vos enfas­ti­eis dela…” (Nm 11.19–20). Uma mal­di­ção ao con­trá­rio: sofre­ri­am não pela ausên­cia, mas pelo exa­ge­ro. Seri­am puni­dos com o exces­so. E o sal­mis­ta regis­tra que Deus “con­ce­deu-lhes o que pedi­ram, mas fez defi­nhar-lhes a alma” (Sl 106.15)

A exem­plo dos hebreus, são pou­cos os que se con­ten­tam com o bási­co, com o sim­ples, com o comum… é pre­ci­so cada vez mais. Somos uma gera­ção de enfas­ti­a­dos, uma gera­ção de mur­mu­ra­do­res: res­mun­ga­mos do sol, da chu­va, dos filhos, dos pre­ços, das filas, da igre­ja, do patrão, res­mun­ga­mos até de Deus por­que Ele não con­se­gue “enten­der” o que real­men­te queremos.

Há uma fome da alma, mas nos­sa car­na­li­da­de nos afas­ta do car­dá­pio divi­no. Afi­nal, temos nos­sas pre­fe­rên­ci­as – que é o ape­ti­te “egíp­cio” que nos acom­pa­nha sem­pre. Nos­sos olhos não param de dese­jar, é sem­pre um “que­ro mais”. Isso gera um vazio e um sen­so de inutilidade

É for­ço­so admi­tir que o “espí­ri­to do Egi­to” está em nós. Assim como os hebreus que­ri­am a car­ne e as bata­tas, e recu­sa­vam-se a rece­ber aqui­lo que o Eter­no ofe­re­cia, esta­mos defi­nhan­do por­que cami­nha­mos na mes­ma sin­to­nia do mun­do. Há mui­to cris­tão satis­fei­to com este sécu­lo, pro­cu­ran­do pre­en­cher sua vida com tudo o que o Egi­to ofe­re­ce – mes­mo que sua alma venha a definhar.

Há cada dia mais almas tor­nan­do-se seca, sem vida – ape­sar de terem alcan­ça­do tudo o que dese­ja­vam… mas a alma con­ti­nu­ou len­ta­men­te defi­nhan­do. Jesus per­gun­ta: “o que adi­an­ta o homem ganhar o mun­do intei­ro e per­der a sua alma?”

Os valo­res estão inver­ti­dos: per­se­gue-se o que dá pra­zer, bus­ca-se o que dá fama, faz-se aqui­lo que o lado irra­ci­o­nal deter­mi­na. Essa per­da de refe­ren­ci­al leva-nos à doen­ça. Como diz o livro de Judas 1.15: “Os tais são mur­mu­ra­do­res, são des­con­ten­tes, andan­do segun­do as suas paixões”.

Creio que deve­ría­mos ter a humil­da­de de dizer: — “Senhor não sei o que é bom para mim”. Entre­tan­to, nun­ca ouvi uma ora­ção nes­se sen­ti­do. Só quan­do somos reme­ti­dos ao deser­to do nos­so cora­ção que temos a chan­ce de ser liber­tos de nos­sos fal­sos dese­jos. Deus pre­ten­de nos aju­dar sobre isso: “Eu o atrai­rei e o leva­rei para o deser­to, e lhe fala­rei com ter­nu­ra ao cora­ção” (Os 2.14). O deser­to é o lugar que Deus nos fala, é o lugar do esva­zi­a­men­to, do aban­do­no dos víci­os do pas­sa­do. Só o deser­to para lim­par e puri­fi­car nos­sas entra­nhas. É ali que temos os nos­sos dese­jos transformados.

Um dos sal­mos mais belos da bíblia é uma decla­ra­ção de sim­pli­ci­da­de: “Não ando à pro­cu­ra de gran­des coi­sas, nem de coi­sas mara­vi­lho­sas demais para mim, pelo con­trá­rio, fiz calar e sos­se­gar a minha alma” (Sl 131.1–2). Há mui­ta gen­te des­lum­bra­da bus­can­do coi­sas mara­vi­lho­sas, e não enxer­ga a cri­an­ça que pas­sa, o irmão neces­si­ta­do ao seu lado, o bei­ja-flor no jar­dim, ou um novo botão que desa­bro­chou… Cui­da­do para não ser um des­lum­bra­do espi­ri­tu­al, pois faz secar a alma.

Pr. Daniel Rocha

Pr. Dani­el Rocha

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