Coisa de louco!

Lou­co ou lou­cu­ra são ter­mos gené­ri­cos para desig­nar os mais diver­sos tipos de doen­ça que podem afe­tar a men­te, e se carac­te­ri­zam por ali­e­na­ção, desor­ga­ni­za­ção e desa­gre­ga­ção men­tal, com per­da do vín­cu­lo com a rea­li­da­de. Mas não é des­sa afec­ção que pre­ten­do escre­ver, e sim sobre a lou­cu­ra vis­ta a par­tir da fé cris­tã. Na bíblia, lou­co é quem se incul­ca por sábio e esque­ce de Deus, quem age insen­sa­ta­men­te, quem ridi­cu­la­ri­za e zom­ba do Eter­no. É famo­so o caso do rei Nabu­co­do­no­sor, que no auge de seu poder ima­gi­na­va-se como um ser que não se sub­me­tia a nin­guém, mui­to menos a Deus. Adver­ti­do pelo pro­fe­ta Dani­el foi então aco­me­ti­do de insa­ni­da­de e pas­sou a pas­tar e comer gra­ma com os bois, viver ao relen­to e cres­ce­ram-lhe pelos por todo o cor­po. Pas­sa­do algum tem­po, reco­nhe­ceu sua lou­cu­ra (Dn 4.34) e, então, con­fes­sou com humildade:

Ago­ra, pois, eu, Nabu­co­do­no­sor, lou­vo, exal­to e glo­ri­fi­co ao Rei do céu, por­que todas as suas obras são ver­da­dei­ras, e os seus cami­nhos, jus­tos, e pode humi­lhar aos que andam na sober­ba” (Dn 4.37)

Lou­co é quem pen­sa que nun­ca have­rá de pres­tar con­tas de seus atos, é quem se acha dono da vida, faz o que bem enten­de, pla­ne­ja, deci­de e exe­cu­ta, ten­do como juiz ape­nas os seus dese­jos, pois para ele, “que­rer é poder”. Foi pen­san­do em gen­te assim que Jesus dei­xou a pará­bo­la do homem rico, cujo cam­po pro­du­ziu mui­to man­ti­men­to e ele pla­ne­jou cons­truir celei­ros para pas­sar o res­to dos seus dias des­can­san­do, comen­do, beben­do e rega­lan­do-se… mas Deus dis­se-lhe: “lou­co, esta noi­te te pedi­rão a tua alma” (Lc 12.20).

Vive­mos num mun­do extre­ma­men­te raci­o­na­lis­ta que se recu­sa a crer no Impon­de­rá­vel. Por isso tra­ba­lha em cima de mate­ri­a­li­da­de e de cer­te­zas, não haven­do espa­ço para a fé. Encon­tra­mos mui­tos “doi­dos malu­cos” entre­gan­do-se irra­ci­o­nal­men­te à dro­ga, ao álco­ol, ao sexo, ao dinhei­ro… e quan­do você lhe apre­sen­ta o Evan­ge­lho e o amor de Cris­to, recu­sam de ime­di­a­to, como se “isso” fos­se ilusão.

Há tam­bém mui­tos “doi­dos malu­cos” ocu­pan­do púl­pi­tos de igre­jas, chei­os de empá­fia e cer­te­zas de que Deus irá se cur­var às pala­vras de ordem deles. É ver­da­de que Pau­lo dis­se que “aprou­ve a Deus sal­var os que crêem pela lou­cu­ra da pre­ga­ção” (1Co 1.21), o que é bem dife­ren­te de “pre­ga­ção louca”.

Mas há lou­cu­ra que é luci­dez. A ori­gem des­sa pala­vra vem de “luci­dus”, que sig­ni­fi­ca lumi­no­so, bri­lhan­te, que res­plan­de­ce. Albert Schweit­zer, teó­lo­go, médi­co, e um dos mais reno­ma­dos intér­pre­tes de Bach, pode­ria viver uma vida de suces­so e de faci­li­da­des, mas pre­fe­riu embre­nhar-se na sel­va do Con­go para cons­truir o mai­or hos­pi­tal de lepro­sos de todo con­ti­nen­te afri­ca­no. Ali viveu em prol dos pobres e mise­rá­veis até o fim de seus dias. San­ta loucura!

Mar­tin Luther King ousou ser uma voz luzen­te e ter um sonho de liber­da­de e igual­da­de entre os homens. Lou­cu­ra que pode­ria pagar com a pró­pria vida. E pagou.

Todo “lou­co de Deus” é por natu­re­za um incon­for­ma­do, que não se amol­da aos padrões dados, não se sen­te con­for­tá­vel no mun­do, e não se sub­me­te às pres­sões para que se enqua­dre. O lou­co de Deus não acei­ta viver uma vida, diga­mos assim, nor­mal. Mas isso não sig­ni­fi­ca que apóie bizar­ri­ces e des­va­ri­os. Tam­pou­co se iso­la em “gue­tos” de gen­te esqui­si­ta ou excên­tri­ca. Jesus Cris­to nun­ca pre­ten­deu for­mar uma comu­ni­da­de à par­te do mun­do, mas que vives­se e agis­se no “kós­mos” sem, entre­tan­to, seguir seu curso.

No Rei­no do Pai, lou­co é quem con­fia no poder, no dinhei­ro, na bele­za, na posi­ção soci­al, na sor­te, e quem ima­gi­na que vai levar algu­ma coi­sa des­te mun­do para o outro. No Rei­no de Deus a lógi­ca de mer­ca­do não fun­ci­o­na, pois ali os pri­mei­ros são sem­pre últi­mos, os mai­o­res ser­vem os peque­nos, for­te é quem cho­ra e quem per­de, ganha.

Dese­jo para mim a lou­cu­ra dos que sabem rir de si mes­mos, e das cri­an­ças que vivem o momen­to com toda a inten­si­da­de, sem pre­o­cu­pa­ção com o que vem depois. Pre­fi­ro a insen­sa­tez juve­nil do filho pró­di­go à lógi­ca mes­qui­nha de seu irmão mais velho que con­ta­bi­li­za­va em sua cader­ne­ta os cré­di­tos que tinha com o pai.

Os lou­cos de Deus olham para o Invi­sí­vel, falam com Ele, sabem-se rode­a­dos por anjos, riem dos infor­tú­ni­os, e até dizem que estes, quan­do lhes sobre­vêm, de algu­ma for­ma coo­pe­ram para o seu pró­prio bem. Os lou­cos de Deus agra­de­cem tan­to por um ban­que­te quan­to por um peda­ço de pão, crêem que seus cor­pos serão res­tau­ra­dos, e que pas­sa­rão a eter­ni­da­de num lugar onde não have­rá mais con­tra­di­ção, cho­ro, dor ou lágrima.

Como deu para per­ce­ber, não sou mui­to nor­mal, e con­vi­do você a tam­bém bus­car um pou­co de luci­dez na lou­cu­ra da fé em Deus.

Pr. Daniel Rocha

Pr. Dani­el Rocha

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.