Batman, Sócrates, Jesus e “A Origem da Justiça”

Bem-aven­tu­ra­dos os que têm fome e sede de jus­ti­ça, pois serão satis­fei­tos” (Mateus 5:6).

É notó­ria a quan­ti­da­de de fil­mes de heróis da fábri­ca de cine­ma esta­du­ni­den­se; um dos que mais me cha­ma­ram a aten­ção foi Bat­man vs. Super­man: a Ori­gem da Jus­ti­ça. Um dos moti­vos pelos quais sou cem por cen­to imper­meá­vel ao ape­lo dos qua­dri­nhos e fil­mes de super-heróis é que a obses­são nor­te-ame­ri­ca­na com a jus­ti­ça não faz nenhum sen­ti­do. Os uni­for­mes e nar­ra­ti­vas de ori­gem mudam, mas o arca­bou­ço é o mes­mo: o super-herói é com­pe­li­do a agir por­que tem des­per­ta­do o seu sen­so de jus­ti­ça, o qual é inci­ta­do quan­do ele enten­de que a jus­ti­ça tra­di­ci­o­nal da polí­cia e dos tri­bu­nais se mos­tra insu­fi­ci­en­te em todos os casos, quer seja con­tra os reis do cri­me de Gotham City, quer seja con­tra ame­a­ças de outra dimensão.

É um mol­de que não deve­ria fun­ci­o­nar fora dos Esta­dos Uni­dos, país que tem por espor­te naci­o­nal explo­rar os limi­tes supe­ri­o­res da pró­pria ima­gi­na­da vir­tu­de. Sen­do obce­ca­dos com a ideia de equi­da­de e retri­bui­ção, os ame­ri­ca­nos admi­ram a jus­ti­ça dos tri­bu­nais, mas con­si­de­ram-na ao mes­mo tem­po insu­fi­ci­en­te, sem­pre sujei­ta às ten­ta­ções da mode­ra­ção e da par­ci­a­li­da­de. Sua ima­gi­na­ção requer a ação de uma for­ma de jus­ti­ça inde­pen­den­te e supe­ri­or, mais estri­ta e impla­cá­vel, uma super­jus­ti­ça que é ela mes­ma a esfe­ra do super-herói – o vigi­lan­te, o jus­ti­cei­ro, o vin­ga­dor. Quan­do meros homens não bas­tam ou hesi­tam, o super-homem se tor­na a mão de Deus na exe­cu­ção da divi­na retribuição.

O gran­de filó­so­fo gre­go Sócra­tes (470–399 a.C.), con­for­me a obra Eutí­fron, escri­ta por Pla­tão em um de seus diá­lo­gos qua­tro­cen­tos anos antes de Cris­to, tra­ba­lha o con­cei­to do evan­ge­lho da igno­rân­cia uni­ver­sal. O que eu sabia de Sócra­tes era ele ter sido o filó­so­fo “que sabia que nada sabia”. A figu­ra que encon­trei foi mais fas­ci­nan­te e mui­to mais incô­mo­da, por­que, nes­te e em outros epi­só­di­os, Sócra­tes faz de sua mis­são denun­ci­ar às outras pes­so­as, dian­te delas mes­mas, a super­fi­ci­a­li­da­de daqui­lo de que estão con­vic­tas. Ele suge­re por onde pas­sa que o mun­do será um lugar mais jus­to e equi­li­bra­do se cada um se depa­rar e se con­ci­li­ar com o fato de que não sabe aqui­lo que acre­di­ta que sabe. Resu­min­do, Sócra­tes pare­ce ter acre­di­ta­do que, mais do que fazer o que é erra­do, a ver­da­dei­ra injus­ti­ça está em dei­xar de fazer o que é cer­to – e aqui (como em outros luga­res) sua posi­ção está mui­to ali­nha­da com a heran­ça cristã.

Jesus e os cris­tãos come­ça­ram onde os ame­ri­ca­nos ter­mi­na­ram, com a ideia de uma esfe­ra de super­jus­ti­ça em que Deus ope­ra­va aci­ma dos homens. Porém, ima­gi­na­ram ou intuí­ram para a divin­da­de um tra­je­to opos­to, que come­ça­va na jus­ti­ça dos homens só para enten­der que nada há de dese­já­vel ou de sus­ten­tá­vel nela. Deus enten­de que o uni­ver­so não pode­rá ser gover­na­do pelo prin­cí­pio da jus­ti­ça dos homens; não pode­rá ser sequer cri­a­do por ele.

Des­de o come­ço, a mão divi­na é gui­a­da pela mise­ri­cór­dia. Se a obra da jus­ti­ça é a paz, como requer Isaías, o jul­ga­men­to terá de ser tem­pe­ra­do pela mise­ri­cór­dia: por­que onde há jus­ti­ça dos homens ou dos super-heróis não há paz, e onde há paz não há jus­ti­ça dos homens.

O cui­da­do divi­no em mode­rar o Seu pró­prio sen­so de jus­ti­ça tem todo tipo de con­sequên­ci­as para meros huma­nos. Se Deus, que não tem como errar, abre mão de ope­rar pelo prin­cí­pio da jus­ti­ça, quan­to mais tole­ran­te deve se mos­trar gen­te falha em seus jul­ga­men­tos como os seres humanos?

Para o pro­fe­ta Miquéi­as, Deus, em seu exem­plo – por­que Deus encon­tra pra­zer na mise­ri­cór­dia (Mq 7:18) –, já dei­xou cla­ro aos homens o que é bom, e se tra­ta de “fazer o que é cer­to (como diria Sócra­tes), amar a mise­ri­cór­dia e con­du­zir-se com humil­da­de”. E, por meio de Oséi­as, a Divin­da­de desa­ba­fa como num tuí­te: “Mise­ri­cór­dia que­ro, e não sacri­fí­cio, e o conhe­ci­men­to de Deus, mais do que holo­caus­tos” (Os 6:6).

Deus satis­fez Sua jus­ti­ça no sacri­fí­cio de Cris­to. Hoje, deve­mos bus­car o Seu rei­no e a Sua Jus­ti­ça [o Cris­to], e as demais coi­sas nos serão acres­cen­ta­das (Mt 6:33).

Rev. Isra­el A. Rocha

Tex­to ins­pi­ra­do em arti­go de Pau­lo Brabo

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