Paulo sabiamente afirmou em 2 Coríntios 12:9 que o Senhor lhe disse: “A minha graça te basta”. Nós aprendemos que não somos merecedores da graça; contudo, nela Deus nos sustenta e é exatamente por essa razão que a graça é de graça.
No entanto, esta geração desaprendeu a ter nesta expressão sua profissão de fé: “Tua graça me basta”. Nossa ideia de graça enquadra-se apenas nas vitórias, nos dias felizes e fáceis. “Se tudo é graça e o céu está azul / se a nuvem passa em direção ao sul / se tudo é alegria e vai tudo bem / é fácil ter fé, ficar em pé”. No entanto, nós nos negamos a pensar em graça como privilégio de sofrer. “Quando vem a chuva e o tempo mau / a fé fica insegura e superficial / sem profundidade, pura emoção.” Só nos resta, portanto, chorar, mandar tudo pro ar. Mas, ao lermos a Bíblia na dimensão do significado do conceito de graça, nos surpreenderemos, “pois vos foi concedida, em relação a Cristo, a graça não só de crerdes n’Ele, mas de por Ele sofrerdes” (Fp 1:29).
Sem dúvida esse conceito trazido por Paulo não é testemunhado na comunidade de fé; afinal, esse apelo não é nem um pouco empolgante, pelo contrário, é desafiador e desestimulante. Nestes tempos que vivemos, nos é apresentado um mundo alegre onde tudo vai bem, as curtidas passam a ser o termômetro da nossa empolgação e muitas vezes fazemos de nossas vivências cúlticas a experiência de pessoas que só conhecem a graça colorida. Cada dia mais fazemos questão de proclamar a ideia da ausência do sofrimento; vejam muitos dos nossos cânticos, orações e práticas.
Somos a sociedade do analgésico psicológico, existencial e social, perdemos a noção da realidade – e isso é grave. Estamos entrando numa época em que gerações inteiras estão vivendo à base de analgésico espiritual – e isso é especialmente grave, pois, quando Jesus nos orientou e nos preveniu de que teríamos no mundo aflições, Ele quis nos ensinar que aqueles que, apesar de viverem próximos d’Ele, teriam necessariamente que viver as mesmas agruras e lutas pelas quais Ele passou. Andar e estar no vale da sombra da morte é também graça e opção por caminhar como discípulo de Jesus neste mundo. Nosso maior desafio hoje, sem sombra de dúvida, é não confundirmos nosso querer e nossas vontades com o querer e a vontade soberana de Deus; é viver literalmente da expressão de fé do Pai Nosso: “Seja feita a Tua vontade.”
Resta-nos, diante dos muitos quadros que estão diante de nós, exercitarmos nossa fé e crermos que no amor de Deus seremos transformados, aperfeiçoados e restaurados para vivermos somente da graça. Então, como Paulo, diremos: “Aquele que nem mesmo a Seu próprio Filho poupou, antes O entregou por todos nós, como nos não dará também com Ele todas as coisas?”. Notem, aqui ele fala de “todas as coisas” creio que na mesma dimensão do salmo 23: “Nada nos faltará!”, nem mesmo as lutas da vida.
Continuemos com Paulo: “Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? Como está escrito: Por amor de Ti, somos entregues à morte o dia todo; somos reputados como ovelhas para o matadouro” (Rm 8:35–36). Vejam: apesar dos sofrimentos todos, nada nos separa do amor divino; apesar das lutas, nada nos separa desse amor. Isso é graça sobre graça!
Que a paz que excede todo o entendimento humano esteja nos abrigando e nos acolhendo nestes tempos cheios de graça!
Por Dilson Júlio da Silva,
teólogo e membro da Igreja Metodista em Itaberaba