Sobre a morte e o morrer

Por­que para mim o viver é Cris­to, e o mor­rer é ganho” (Fili­pen­ses 1:21).

Em sua crô­ni­ca “O que é a vida?”, o gran­de escri­tor, psi­ca­na­lis­ta e teó­lo­go Rubem Alves escre­veu o seguin­te: “Dizem as escri­tu­ras sagra­das: ‘Para tudo há o seu tem­po. Há tem­po para nas­cer e tem­po para mor­rer’. A mor­te e a vida não são con­trá­ri­as. São irmãs. A ‘reve­rên­cia pela vida’ exi­ge que seja­mos sábi­os para per­mi­tir que a mor­te che­gue quan­do a vida dese­ja ir. Che­guei a suge­rir uma nova espe­ci­a­li­da­de médi­ca, simé­tri­ca à obs­te­trí­cia: a ‘mori­en­te­ra­pia’, o cui­da­do com os que estão mor­ren­do. A mis­são da mori­en­te­ra­pia seria cui­dar da vida que se pre­pa­ra para par­tir. Cui­dar para que ela seja man­sa, sem dores e cer­ca­da de ami­gos, lon­ge de UTIs. Já encon­trei a padro­ei­ra para essa nova espe­ci­a­li­da­de: a Pietà de Miche­lan­ge­lo, com o Cris­to mor­to nos seus bra­ços. Nos bra­ços daque­la mãe, o mor­rer dei­xa de cau­sar medo”.

Exis­te um gran­de medo que assom­bra todos os que estão vivos, e esse medo é cau­sa­do ape­nas por uma peque­na pala­vra: a mor­te – pois, “para mor­rer, bas­ta estar vivo”. Essa pala­vra tira o sono de mui­tas pes­so­as por­que a mor­te, infe­liz­men­te, não é ape­nas uma pala­vra: ela é um esta­do. Mas, afi­nal, o que é a mor­te? Será que é uma cavei­ra com um man­to pre­to e uma foi­ce? Nos­so bom Auré­lio nos ajuda:

Mor­te: s.f. Fig. Dor vio­len­ta: sofrer a mor­te na alma. / Ausên­cia de vida, imo­bi­li­da­de. / Ruí­na, extin­ção. / Cau­sa de ruí­na. // no lei­to de mor­te, estar a pon­to de mor­rer. // Estar entre a vida e a mor­te, estar sob gran­de ame­a­ça de mor­rer. // Mor­te apa­ren­te, esta­do de extre­ma redu­ção das fun­ções vitais que dá a apa­rên­cia exte­ri­or de mor­te. (A medi­ci­na legal per­mi­te que o médi­co lan­ce mão de recur­sos para dis­tin­guir entre a mor­te apa­ren­te e a mor­te real.) // Mor­te eter­na, pri­va­ção da eter­na bem-aventurança”.

Para ser decla­ra­do o esta­do de mor­te, o indi­ví­duo pas­sa pelo está­gio do morrer:

Mor­rer: v.i. Ces­sar de viver, per­der todo o movi­men­to vital, fale­cer. / Fig. Expe­ri­men­tar uma for­te sen­sa­ção (moral ou físi­ca) inten­sa­men­te desa­gra­dá­vel; sofrer mui­to: ele pare­ce mor­rer de tris­te­za. / Ces­sar, extin­guir-se (falan­do das coi­sas morais). / Des­me­re­cer, per­der o bri­lho; tor­nar-se menos vivo (falan­do de cores). / Ani­qui­lar-se, dei­xar de ser ou de ter existência”.

Ou seja, a mor­te e o mor­rer são coi­sas dis­tin­tas: o mor­rer é um pro­ces­so para se che­gar ao esta­do final, que é a mor­te. Exis­tem vári­os está­gi­os do mor­rer para que se atin­ja o pon­to final.

O após­to­lo Pau­lo, na Car­ta aos Fili­pen­ses, decla­ra que o mor­rer é lucro; mas mor­rer para quê, ou tal­vez por quê?

Nada mais jus­to em nos­sas vidas do que a mor­te. Con­tu­do, Pau­lo não está decla­ran­do mor­te a todos, mas o mor­rer a todos, mor­rer para o mun­do (a ganân­cia e a cobi­ça), mor­rer para o peca­do (os dese­jos e von­ta­des) e mor­rer para si mes­mo (o egoís­mo e o ego­cen­tris­mo). Mui­tos pas­to­res dizem que exis­tem três tipos de mor­te: a espi­ri­tu­al, a físi­ca e a eter­na. Você já deve ter cru­za­do com algu­ma delas, seja qual for. Se ain­da não cru­zou, prepare-se!

Con­fes­so que, na minha expe­ri­ên­cia de ser huma­no, nun­ca me encon­trei com a vida sob a for­ma de bati­das do cora­ção ou ondas cere­brais. A vida huma­na não se defi­ne bio­lo­gi­ca­men­te. Per­ma­ne­ce­mos huma­nos enquan­to exis­tir em nós a espe­ran­ça da bele­za e da ale­gria. Mor­ta a pos­si­bi­li­da­de de sen­tir ale­gria ou gozar a bele­za, o cor­po se trans­for­ma numa cas­ca de cigar­ra vazia.

A pior coi­sa nes­ta vida é a per­da ou o luto. Jesus Cris­to sabia dis­so e inú­me­ras vezes pre­pa­rou os Seus dis­cí­pu­los para isso. E nós? Esta­mos pre­pa­ran­do as pes­so­as que ama­mos para enfren­tar as perdas?

Quan­do escre­veu a Car­ta aos Fili­pen­ses, Pau­lo já esta­va velho e can­sa­do. Con­tu­do, enquan­to ele tives­se o fôle­go da vida, anun­ci­a­ria o Evan­ge­lho a quem esti­ves­se à sua vol­ta. A ques­tão dis­so tudo não é em rela­ção ao que vai nos levar à mor­te, mas sim aqui­lo pelo qual vale a pena viver, que nes­te caso é Cris­to. Ao exa­mi­nar­mos a nos­sa vida, pode­re­mos cons­ta­tar que esta­mos pre­pa­ra­dos emo­ci­o­nal, físi­ca e psi­co­lo­gi­ca­men­te para o lucro que nos leva à ple­ni­tu­de? Como está o nos­so lega­do para o Rei­no de ago­ra e do por­vir? É cer­to que, se vemos ago­ra sinais de mor­te à nos­sa fren­te, em bre­ve vere­mos a eter­na vida!

Como “o amor é for­te como a mor­te” (Ct 8.6)”, res­ta-nos amar até a mor­te, para que o viver pos­sa ser lem­bra­do como digno.

Rev. Isra­el A. Rocha

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