Nunca te vi, sempre te amei

Tar­de vos amei, ó bele­za tão anti­ga e tão nova, tar­de vos amei! Eis que habi­tá­veis den­tro de mim, e eu lá fora a procurar-vos”.(Agostinho)

Cada ser huma­no, nas­ci­do em qual­quer épo­ca, em qual­quer civi­li­za­ção ou loca­li­za­ção geo­grá­fi­ca, sen­te uma nos­tal­gia de Deus. É como se esti­ves­sem lan­çan­do um pro­fun­do gri­to exis­ten­ci­al: “Socor­ro, está fal­tan­do algo!”.

Há um “bura­co” den­tro de cada homem e cada mulher. Nas­ce­mos, cres­ce­mos e vive­mos sen­tin­do uma fal­ta que não se pre­en­che com nenhum obje­to, com nenhu­ma pes­soa espe­ci­al, e nenhu­ma con­quis­ta. Na ver­da­de, nos­sos sonhos, bus­cas e ansei­os reve­lam que esta­mos pro­cu­ran­do um cora­ção no mundo.

Nos­sos ances­trais reu­ni­am-se em tor­no de foguei­ras e can­ta­vam can­ções para afu­gen­tar os fan­tas­mas. Hoje, os shop­pings e bar­zi­nhos são os luga­res que os jovens se aglo­me­ram para exor­ci­zar a soli­dão huma­na. No fun­do bus­cam um cora­ção no mun­do. Para esses, Deus está no pra­zer, no car­ro novo, na con­quis­ta… entre­tan­to o bura­co con­ti­nua cres­cen­do, e o deses­pe­ro, a angús­tia exis­ten­ci­al e as neu­ro­ses nun­ca foram tão expres­si­vas como em nos­sa épo­ca. Pou­cos são os que com­pre­en­dem que aqui­lo que bus­cam não está à ven­da, não pode ser alcan­ça­do por ritu­ais, ofer­tas, pala­vras mági­cas, man­tras ou cor­ren­tes. Qual­quer coi­sa que pro­me­ta pre­en­cher esse vazio é um ídolo.

Onde está o cora­ção do Pai? Care­ce­mos Dele num mun­do frio, indi­fe­ren­te, que não se impor­ta. Esta­ria em algu­ma igre­ja em espe­ci­al? Cató­li­cos o bus­cam nos ritu­ais e na euca­ris­tia, pen­te­cos­tais em lín­guas, mila­gres e sen­sa­ções, neo­pen­te­cos­tais nas ado­ra­ções extra­va­gan­tes e arre­ba­ta­men­tos, os judai­zan­tes em lega­lis­mos e na vol­ta ao pas­sa­do. Entre­tan­to, nin­guém pode dizer que “cap­tu­rou” Deus no seu arca­bou­ço teo­ló­gi­co. O Pai tan­to pode estar ali ou pas­sar ao lar­go. Na ver­da­de, Deus pode sus­ci­tar filhos até de pedras, em ter­rei­ros, nos pros­tí­bu­los ou no inte­ri­or de uma mas­mor­ra. A sua Gra­ça é irresistível.

Há órfãos de Deus nes­te mun­do imen­so. Até na Casa do Pai os encon­tra­mos: são os que redu­zi­ram suas vidas a vãs repe­ti­ções que não fazem mais sen­ti­do para si, nem expres­sam uma ver­da­de do cora­ção, não sen­tem pra­zer em estar na pre­sen­ça Dele, escon­dem suas incon­gruên­ci­as atrás dos cli­chês reli­gi­o­sos, chei­os de cer­te­za, res­pos­ta pra tudo, e não admi­tem sua vida vazia e fútil. Não é de se admi­rar, pois Pau­lo já pro­fe­ti­za­ra que no final dos tem­pos os homens seri­am desa­fei­ço­a­dos, egoís­tas, arro­gan­tes, sem domí­nio de si, mas ten­do apa­rên­cia de pie­da­de (2Tm 3.1–5).

O pior tipo de mise­rá­vel é aque­le que bus­ca, não o Pai, mas as benes­ses do Pai. Este, não ape­nas é órfão como não per­ce­beu o que real­men­te fal­ta em sua vida.

Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo” (Sl 42.1), diz o sal­mis­ta. Não acei­to nada menos que Deus. Não adi­an­ta enga­nar-se com ído­los, pois mais cedo ou mais tar­de reve­la­rão sua impos­tu­ra. Às vezes sedi­men­ta­mos a ima­gem do Pai e dize­mos: “Deus é assim”. Toli­ce! A mul­ti­for­me face do Pai pode se mos­trar a nós da for­ma mais inu­si­ta­da. Recor­do-me a his­tó­ria da garo­ti­nha cujo pai foi par­ti­ci­pou da II Guer­ra, e ela sem­pre olha­va com sau­da­de para o retra­to dele na pare­de. Alguns anos depois um homem mais velho e com as mar­cas da guer­ra em seu cor­po entra feliz pela casa e cha­ma pela filhi­nha que­ri­da. Ela se afas­ta: “Meu pai não é você, é aque­le da parede”.

Nos­tal­gia, sen­ti­men­to de que está fal­tan­do algo. É como se den­tro de nós esti­ves­se ins­cri­to aqui­lo que um dia Agos­ti­nho (354–431 d.C.) des­co­briu: “Nun­ca Te vi, sem­pre Te amei”. Ele sabia que a nos­tal­gia por Deus habi­ta no cora­ção do homem. Expe­ri­men­tou de tudo nes­se mun­do, uma vida des­re­gra­da, e fez o que seus ins­tin­tos orde­na­vam, mas foi somen­te depois de ter encon­tra­do o Pai que veio a qui­e­tu­de e sere­ni­da­de: “Por­que nos cri­as­tes para Ti, e o nos­so cora­ção vive inqui­e­to enquan­to não repou­sa em Ti”

Pr. Daniel Rocha

Pr. Dani­el Rocha

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